Herzog, pode ir dormir agora, querido. Tá tudo bem, nossos jovens não deixaram que te matassem outra vez. Rubens Paiva, olha quanta gente apareceu só pra te ver revivido, tranquilo e rindo. Zu Angel, fica na boa querida, não te perturbarão mais. Agora é moda ser decente, quem sabe ainda aprendemos a nos tratar como gente. João Saldanha, olha que multidão gritando “Brasil, Brasil, Brasil” e nem é pela seleção, você pode ficar orgulhoso. Cada gesto de resistência, cada lamento solitário, cada grito encarcerado, cada osso quebrado, cada fratura exposta, cada dente perdido, cada bebê abortado, cada mulher perdendo mais exclusivamente por ser mulher: vejam a multidão de vocês nas ruas do Brasil. Vejam a beleza que foi plantada e que agora, tanto tempo depois, floresce nas calçadas, as mesmas onde antes ladravam os cães de olhar raivoso. A cada exilado, preso político, maltratado, a cada morto, a cada desdentado, pendurado em pau de arara, esquecido no Araguaia, perdido mundo à fora, mortos, mandados embora, chegou a hora da cena antevista por vocês, sonhada por vocês e por vocês protegida. Hoje vi as crianças dizendo do jeito lá delas que as janelas são nossas, que a vida nos pertence, não ao estado, não aos soldados, eles mesmos calados diante da autoridade das multidões. Bem-vindos ao Brasil, um país de Joãos, Marias e Ziraldos. Bem-vindos ao Brasil, um pais Ritas e Ruths Cardosos. Estão em vigília por vocês, nós estamos prontos novamente. Nós estamos prontos sempre. Nós surgimos outra vez, pela oportunidade de paz. Aos arruaceiros, cadeia. Aos idiotas, Faustão. Aos oportunistas, solidão. Aos torturadores, não. O Brasil encontrou-se consigo mesmo, não mesmo um encontro tranquilo, mas sincero e festivo. Quebrou-se coisas, algo a lamentar. Mas construiu-se mais, um nunca mais, uma enorme ponte ligando o perdão ao nunca mais acontecerá.
7 comentários em “Bem-vindos ao país do nunca mais”
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HAHA, você escreve e se expressa muito bem!!
;D
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Você é muito gentil, Carol. Big obrigado.
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Sou gentil não, só sei reconhecer bons escritores, e você é! HAHA
Nesse momento de revolução do Brasil, já li vários textos sobre em blogs e o seu foi um dos que mais me chamou a atenção pela forma que você escreve. Parece que você escreveu com os “pulmões”.
A professora de Literatura poderia muito bem ter passado esse textos na escola, quando falássemos sobre revoluções. Fez me lembrar a Ditadura e o sentimentos de muitos.
Você relamente escreve bem.
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Tá bom, então você é uma querida que me deixa meio sem jeito. Mas aceito, cheio de orgulho, o elogio.
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Delicado, preciso, tocante, como as outras coisas tua que li antes, obrigado Mariel Fernandes! E que o nunca mais permaneça mesmo entre nós…
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Fiquei big emocionado com o teu comentário. O dia está ganho. Muito valeu, bem muito.
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*realmente
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