Goiabas, go home

mariel fernandes wordpress
Quem rouba uvas não sabe o que é roubar goiabas

Sou de uma geração sortuda, do tipo que acha que futebol não se aprende na escola e que goiaba é um direito de quem está do lado de lá ou do lado de cá do arame farpado. Isso é completamente diferente daquelas uvas surrupiadas em supermercados. Ali você tem que enfrentar, no máximo, um gerente do Carrefour. Para pegar uma boa goiaba, minha turma tinha que enfrentar (de pés descalços) as rosetas (se não souber o que é, manda uma mensagem que eu conto), pular pelo menos duas cercas e correr de 4 cachorros, mais um dono de sítio bem chateado com você. Garotos sabiam pescar, pronto, assim, só sabiam. E assobiar com dois dedos na boca, um som infinito, cheio de autoridade e atitude. Garotas subiam em muros e ninguém dizia “poxa, uma garota…”. Elas também jogavam bola (cansei de levar bordoada da tica, uma zagueira infernal). Preto era preto e não afrodescendente. Gordo era gordo e não forte ou avantajado. E o Paulo muleta foi um dos melhores goleiros de uma perna só com quem joguei.  Com ele era preciso um certo cuidado ao comemorar os gols, já que Paulo Muleta costumava jogar seu (dolorido) instrumento nos metidos a goleador. Não sou um saudosista, mas não me faz falta ter um personal food, treiner, hair, lover, house. Acho que uma das únicas vezes (certo, há outras) que precisei de um celular urgente foi quando roubaram o meu carro, mas o celular estava dentro. Acho as tecnologias disponíveis um grande milagre. Mas penso que o milagroso mesmo é entender como as crianças atuais chegam ao banheiro sem um app. Enquanto não lançaram um personal life, vou vivendo os dias que virão. Um olho no mac pró, outro na goiabeira que plantei do lado de fora do quintal. Acho que não vai aparecer ninguém para roubá-las, mas não custa inspirar as novas gerações.

PS. Roubar goiaba no pé é uma arte. Surrupiar uvas em supermercado é para amadores.

 

 

Publicado por

Mariel

Vale o que está escrito

8 comentários em “Goiabas, go home”

  1. É sempre me causa certo espanto pensar em como tive uma infância física (do tipo pular muro do quartel pra soltar pipa no descampado e sair correndo do terrível “jipinho” com os pm’s) em comparação com os meninos de hoje que são muito mais mentais. Fico pensando em como tínhamos que improvisar, acertar as coisas na última hora, erm lugar de aprender passos repetitivos para mudar de fase. Mas nem tudo está perdido: conheço algumas crianças que ainda tocam música, ou desenho, ou mesmo escrevem historinhas… O mundo será deles, eu acho!

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    1. Pular o muro do quartel não era algo dentro das minhas permissões. Sempre tive questões com os milicos e nunca me pareceu boa ideia. Isso, portanto, faz de você meu ídolo. Quanto às crianças que você conhece, concordo super mesmo: quem souber se expressar vai ter um mundão à conquistar.

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  2. Goiabas, eu não peguei! mas, jabuticabas no pé sim!

    entre outras coisas, do que eu sinto falta mesmo é de ter amigos (reais) – daquele tempo em que a gente sentava tudo na calçada – ou na mesa de bar – pra conversar. Agora tá todo mundo “on” e eu “off”. Não sei lidar direito (por mais que também goste de tecnologia).

    Beijos, adorei o texto.

    e, ahhhh!!! meninas também aprendem a pescar (pelo menos nas famílias paranaenses): :) http://incompletudes.wordpress.com/2011/09/21/1984-e-a-foto-que-meu-avo-registrou/

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    1. Jabuticaba… Não sei se tem o mesmo valor roubístico de uma goiaba, mas posso adiantar com certeza que vale mais do que uma uva, o que é muito bom. Você recebeu mais um precioso ponto agora que sei que se trata de uma garota que sabe pescar. Finalmente, fiquei sabendo que você assinou meu blog, o que me deixa feliz e honrado. Vivo espiando seus textos e você escreve muito, muito, muito bem. Deve ser boa companhia para conversas e roubos goiabísticos.
      Super bejos.

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  3. Nossa! Tudo bem, posso logo dizendo que de uma forma estranha me identifiquei com esse seu texto. Ok, vivo e cresci na época de roubar uvas no supermercado, mas me sinto como se roubar as goiabas da cerca ao lado valesse mais a pena. Rsrsrsr Não sei, não gosto da época que vivo. Acho que antigamente as coisas eram melhores, eram mais amáveis, mais humanas. E por isso digo que nasci na época errada. Gosto desses detalhes que vc citou, que poderiam fazer parte da minha vida sem nenhum problema.
    Mas infelizmente, tive que nascer numa época horrível e ter que saber que no futuro, o meu passado não foi o melhor.
    Ah,, eu te recomendo ler o blog o Cláudio (http://www.cchamun.blogspot.com.br/), não sei o porquê, mas ele me lembra vc escrevendo. Acho que seria legal. rsrs
    Abraços!!

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    1. Vivi as duas épocas, Carol. Posso te garantir que é big (observe a cruel citação ao super) melhor roubar goiabas do que furtar (é o nome técnico) uvas. Sempre que leio tuas coisas, preciso que você saiba que penso que estamos num bom caminho e que poderei, em breve, pescar. Sim, isso quer dizer que gosto do que você é, se isso reflete o que você escreve. Como vivi as “doçuras” do antigo e as “amarguras” do moderno, te digo com sinceridade que se trata mais de ponto de vista do que época, isso de bom e ruim. Mas voltando a você, a bola (e as goiabas) estão com uma geração que é a tua e que anda mostrando a que veio, o que me deixa bem bem feliz. Vou ver o que o Claudio anda escrevendo. Vai que é um irmão gêmeo. Se for, dá uma boa crônica. Beijos.

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  4. Me fez lembrar quase que nitidamente meu tempo de criança… subir em árvore, brincar na terra, “pescar” girinos com peneira! (não, eu não era de roubar goiabas… rsrs)
    Como será que serão as lembranças de infância dos que hoje são crianças?! Tudo vem mudando tão rápido…
    Por isso gosto tanto desse tipo de registro, mantém viva uma história, uma época, que provavelmente se transformará com o tempo… Parabéns pelo texto!

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    1. Eu nunca pesquei sapinho com peneira. Na verdade, tenho um lembrança de frauda para o trabalho. As crianças terão boas lembranças, as de hoje e as de amanhã, como acredito. São crianças: é uma fase fantástica, merecedora de muitas memórias.

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