O amor não é para amadores

Um dia, tirei foto de um casal distraído. Pamorenso que o amar é assim, acontece aos que se dão por vencidos. E, não precisando mais, abrem mão de ter razão e passam a conversar entre si. Ninguém é feliz sozinho, como diria o poeta? Mesmo, mesmo?  Os amores são para amantes, não para iniciantes, esses que declamam coisas como “não posso viver sem você” e acham que isso é, sei lá, bonitinho. Se alguém me diz isso, antes de terminar a frase, estou a 200 quilômetros de distância e não vou pensar em parar antes de chegar a seguros 400 quilômetros. A não ser que seu amor seja seus pulmões, sim, você pode ser feliz sem ele ou ela. Diria que deve: ninguém encontra um amor que mereça esse nome se antes não for capaz de ser completo sozinho, que essa coisa da metade da laranja é conversa pra Fábio Junior dormir. O amor é vão, escreveu o Gil, no sentido de espaço comum, não de único espaço. Amar é um ato de independência, vem aos poucos ou em forma de avalanche, não importa. Mas depois de toda a desarrumação que causa, o sentimento se acalma e serena pela consistência amena da sua matéria prima, a admiração pelo outro. E se o que admiro no outro é a projeção do que vejo de mim, qual a graça dessa criatura reflexo, eco do que penso, dependente do que sou?  Amar faz a diferença, mostrando que há distancia entre os amantes, amores precisam tanto do hiato quanto do contato, prantos às vezes, noutras saudade, lembranças, fins de tarde, mesmo anos à fio sem a menor notícia, ninguém morre de amor, só é possível viver a partir dele, não por ele. Quanto desencontros, abandonos, desentendimentos,  solidão e caminhadas noturnas em nome do amor que se deseja ou se espera e ele nem existe, é uma invenção do SBT, passou na TV, projetou-se no cinema, transformou-se em poemas, consagrou escritores, convenceu céticos e terá seu fim decretado pelo fato puro e simples de não poder sustentar o peso que causa. O melhor pronunciamento desse amor é quando se cala, silenciado pelo pouco que tem a dizer, extenuado pelo tanto que cobra. Quem não se ama a ponto de não poder viver sem o amor de alguém, que amor pretende ou oferece? É um amor sem brilho, nem trilho, nem trem. Quando um amor real surge, ressalta o que há em você de especial, mas tem que haver,  tem que ser você, que enfrentou leões, multidões, que manca, que se levanta e que já esteve encurralado no lado errado do rinque. Tem que existir você, porque o amor não mostra o que não enxerga, nem resgata quem não o mereça. Ah sim, o amor melhora a pele, deixa os cabelos brilhantes, o sorriso fica mais fácil e nada é assim tão caro ou longe. Mas o mais fundamental que ele traz é sua capacidade de tornar-se eterno, posto que clama pelo infinito e pelo pleno do qual é feito. Não amo o amor, nem dedico a ele altares ou poesia ruim. Em compensação, lhe ofereço o que existe em mim de presença. Não para prende-lo, mas para que o mereça.

Publicado por

Mariel

Vale o que está escrito

31 comentários em “O amor não é para amadores”

  1. “Os amores são para amantes, não para iniciantes, esses que declamam porcarias como “não posso viver sem você” e acham que isso é, sei lá, bonitinho. Se alguém me diz isso, antes de terminar a frase, estou a 200 quilômetros de distância e não vou pensar em parar antes de chegar a seguros 400 quilômetros”.

    Um texto realista e bonito. Confesso que tambem tenho vontade de tirar fotos de casais desconhecidos na rua, quando encontro um .

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    1. Minha nossa, faço isso direto. Adoro a expressão natural, os gestos, as poses não pensadas. Quando saio para “caçar fotos”um dos temas, com certeza, é esse.

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    1. Mas isso (ficar sem ar, em qualquer sentido) é ótimo! Nião sei quem disse, mas é algo mais ou menos assim, que viver não é quando você está respirando. É quando você perde o fôlego de tanta coisa que vê.

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  2. Não sei se me explicarei bem, Mariel, mas penso que quando se é novato ou principiante no amor, ama-se de forma ‘jovem’, inaugural, impetuosa, generosa e fecunda. Contudo, e infelizmente, esse potencial diminui com o passar do tempo e é uma perda e não um ganho não ser mais capaz de sentir e fazer como outrora, com o vigor de outrora. De verdade, eu preferiria ver o amor nunca mudar a vê-lo assim, tão tolerante, manso, compreensivo,e por que não, morno.

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    1. Ah, o amor é vão, como diria Gil. Um espaço entre as coisas sólidas que se desmancham no ar. A constância do amor vejo diferente e a vista do meu ponto sugere que se trata de um modo de tentar retira-lo da maior lei de todas que é a mudança e o movimento constante de tudo. Imagino (ou pelo menos torço) para que o meu amor cresça na velocidade serena, compreenda no limite do auto respeito, tolere mas não se anule, que seja manso, mas que saiba para onde não está indo e que seja morno quando possa relaxar e aquecer com suavidade. É o que também desejo pra ti.

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  3. O valor moral imposto pela cultura, afasta o individuo sempre mais de si mesmo. O artifício criado pelo homem de amar o próximo é um mecanismo que inibe a realização da própria vida. Construir a vida a partir de artimanhas que manipulam a própria natureza da existência é construir um método de conhecimento que orienta o homem sempre mais ao vazio obscuro e ilimitado do nada, vazio e nada, que antecede o princípio da geração do mundo. Retornando ao niilismo, o homem retorna a grande confusão e desordem do caos. Ah o amor!!! <3

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    1. E se afasta da gente mesmo, nos afasta do amor que buscamos, confere? Tenho que pensar um tanto se realmente há algo capaz de inibir a vida. Como vejo, o ego é muito maior do que imaginamos, nos ultrapassa, está em lugares não imaginados, projeta toda sorte de desejos, vontades, formas, produtos, conceitos. Na sua forma maior, tenta reinventar a criação, é a Matrix: cheia de possibilidades, repleta de brilho, mas incapaz de sentir de fato.

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      1. UAU! Tu escreveu lindamente! Amei… preciso estar menos dispersa para apreciar a leitura. Prometo ler com mais carinho! Bjs Bjs Bjs amo Bjs rsrsrs <3

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  4. O primeiro amplo estudo sobre amor foi feito pelo sociólogo John Alan Lee, da Universidade de Toronto, e publicado em seu livro, The Colors of Love (1973). Não sei se tu leu… indico a ti!
    O Banquete certamente já deve ter lido. Bjs Bjs <3

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        1. Super Fernando, fiz o que pude. Coloquei uma novo foto (a do casal sumiu) e fiz uma micro alteração na entrada do texto. Espero que você fique satisfeito.

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    1. Super Oi, Teresa. Me surpreendeu o teu entusiasmo, depois do tempo onde esse pensamento foi escrito. Talv z seja a pressa dos dias, não sei. Sei que me alegrou e faço questão de ser grato a você por isso.

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