Fui ao shopping. E ali percebi um desfile de iguais, inexpressivas e hipnotizadas mulheres. Todas vestem a mesma coisa, caminham da mesma forma, usam a mesma bolsa, do mesmo lado do corpo, comem no mesmo restaurante, onde desfilam o mesmo penteado, o mesmo rosto sem rugas ou expressão, obtidos (com certificado) no mesmo cirurgião. Até quando e até onde vai isso, me pergunto. Não há uma desigualdade, uma assimetria, um objeto sem a assinatura de alguém, o mesmo alguém que assina tudo, o sorriso é o padrão rede social, têm o mesmo gosto, o mesmo manequim mine-PP, o mesmo shortinho minúsculo, mostram o mesmo gominho traseiro, a mesma carteira de dinheiro e, parece, caminham para o mesmo destino, a mesma casa, no mesmo bairro, das mesmas cidades, vivendo a mesma vida e morrendo das mesmas mesmices. Como o tempo fez isso a vocês? Depois dos homens, da moda, o emprego, a dupla jornada, o amigo ausente, o filho doente, o ir sozinha na escola, é presidente ou presidenta? As perguntas idiotas, as exigências do caminho, o salto agulha. Depois dos mal tratos todos, de gostar errado da pessoa certa, de ser ciência, cientista e descoberta, depois de liberadas para uma nova gaiola dourada, depois da asa delta, de se transformar em mulher maçã, pera ou melancia, de fingirem o gozo ou a alegria, depois de todos os santos, de sumirem do mapa, de exigirem uma atitude feminina num mundo terno e gravata, depois vocês ainda vão iguaizinhas ao shopping para agradar quem mesmo? Mal dormidas, bem acordadas, bem resolvidas, mal humoradas, as mesmas nos mesmo carros, com os mesmos planos, os mesmos panos por cima. A mesma falta de ideia de si mesmas, à mercê de todo tipo de elemento. A mesma coisa, coisa alguma, muitas coisas, coisas sem muita vida por dentro.
18 comentários em “Elas, as coisas”
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Caraca Mariel! Eu simplesmente fiquei apaixonado pelo seu texto!
Wow! Muito bem escrito. Viajei nele e começo em um caminho e finalizou em outro. Algumas das minhas dissertações eu faço isso.
E refletindo no texto, até aqui na “blogsfera” você vai encontrar as mesmas coisas, as mesmas fotos e os mesmos comportamentos em quase todos, só muda de url. ;)
Já tenho uma novidade bacana e um agradecimento especial. Depois confira lá no blog.
hUg
★ André Hottër
ps; Tô seguindo você agora.
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Super André, bah, obrigado pelo entusiasmo, que é muito motivador, de verdade. Vindo de quem gosta de ler e escreve bem, então, é de ganhar o dia. Essa crônica está sendo bastante criticada por algo que não há nela: o tom anti-feminino. Não foi o que senti ao escrever, mas há de se respeitar o que causamos. No mais, já sigo você e vou lá ver o tal agradecimento agora. Super abraço.
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É maestro, vou ao shopping, passo os olhos em tudo o que se mexe, e sempre saio com a impressão de que não vi nada. À noite, no meu travesseiro, nem recordação tenho deste momento. Foi-se o tempo em que a lembrança de uma bela figura nos fazia perder o sono.
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Salve, chefia. Sabe que uma das minhas diversões favoritas é ver a atitude das pessoas, seus gestões, cacoetes, disfarces. O que me deixou (mesmo) preocupado foi essa ditadura da tendência, onde todos seguem um padrão inexpressivo. Você faz bem em não recordar de nada.
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Com tom anti-feminino ou não, nós mulheres que não seguimos o padrão “igual” que aparece no texto podemos ter ficado um pouco incomodadas com a sensação de generalização.
Mas acredito, pelo pouco que te conheço, que não houve essa intenção de generalizar, mesmo porque seria uma imensa injustiça!
Acredito que existam sim essas mulheres aí descritas, até muitas delas, iguais, com as mesmas roupas, jeitos e até os mesmos pensamentos. Da mesma forma que há homens assim também. São pessoas que engolem um padrão como se aquilo fosse o ideal, e acham que felicidade é isso.
É uma pena… Mas a diversidade está aí, e nem todos tem capacidade de refletir sobre suas próprias vidas e concluir que a felicidade nem sempre tem a ver com status e padrões!
Abraço!
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Então… Não houve, claro, intenção generalista, mas aconteceu, o que deixa a intenção menos importante do que o resultado. Então, evidente, fiquei pensando que não refleti o suficiente para ser claro no que desejava dizer, e se tratava reconhecer a fundamental importância feminina num mundo desigual pra melhor. Não retirei o texto por uma questão de respeito às pessoas que contribuíram com seus comentários falados ou escritos. Mas que foi uma barberagem, foi. Beijo pra ti
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Não, não retire! Fica válido para reflexões, de toda forma. Isso que importa, especialmente considerando que fomos capazes de perceber toda essa situação.
Um problema seria se tudo isso passasse batido, não é?
beijo!
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Eu recebi como homenagem a nós, “que não seguimos o padrão”, como disse a Olívia! Mas o questionamento dela realça ainda mais a força do tema!
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Eu acho que captei a essência do que você quis dizer. Não é uma generalização, mas um alerta para a quantidade de meninas iguais, que almejam o mesmo corpo magrelo, as mesmas roupas de marca, o mesmo Leblon.
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Tayná, vc entendeu essência sim, com o mesmo Leblon e tudo. Mas, vc sabe pois escreve como eu, vale mais o que entendem do que a gente escreve. Mas o seu comentário e entendimento foram bem bons pra mim. Super valeu.
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ótimoooo!!!!!
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Super carolo! Teu ótimo tão entusiasmado foi ótimo pra mim!, assim, com ! Tambem
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Saiu carolo por culpa do meu dedo gordo. Carol, Carol, Carol.
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Um pancadaço! Para onde estamos indo depois de tanta distância vencida…tenho perguntado. Encontro a resposta: para a mesma sala de espera.
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Rosa, que alegria te ver por aqui. Estamos na sala. E na espera.
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Que bom! abs.
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Oi, Mariel! Tudo bem?
Eu também noto, com tristeza, essa repetição de padrões e os ideais dessa pseudo-felicidade nas mulheres e homens de todas as classes sociais. Muitos são influenciados pela publicidade e pelo ambiente em que vivem. Acho que essa uniformização vem da necessidade de status, de aprovação, do indivíduo se sentir aceito e importante.
Quando não nos importamos com o que pensam de nós e somos nós mesmos, causamos estranhamento pelo nosso “desencaixe”.
Algumas pessoas buscam nos enquadrar em algum rótulo, até mesmo sem nos conhecer direito. Somos julgados o tempo todo e incentivados a nos comportar de determinada forma para sermos “mais valorizados”.
Viver de aparência deve gerar um vazio imenso, mas a escolha é pessoal: tem gente que diz que se sente feliz e realizada assim, sem conseguir enxergar a beleza e a feiura que existe nas nossas camadas mais profundas. Buscar o auto-conhecimento, que é uma jornada trabalhosa, densa e longa.
Somos muito mais do que aparentamos. Muitos só veem a ponta do iceberg.
Parabéns pelo seu texto que nos proporcionou essa importante reflexão!
Um abraço.
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Fernanda, tu és uma querida. Costumo dizer aos amigos que escrever me acalma. Digo também que descrevo, no sentido de só conseguir falar do que vivo. E vivemos sim uma época estranha, dessas com doses generosas de esquisitices como ser mais ou menos bem tratado em função do carro, da beleza física, dos amigos (ou inimigos) influentes. Mas por outro lado tem gente como você, que me lê e o “me lê” não tem um sentido vaidoso (ainda que me honre), mas significa entendimento do digo. É um prazer sem fim, você sabe, já que escreve também. Portanto, cabe a mim e a você, por exemplo, mudar essas coisas. Eu conto com você. Pode contar comigo.
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