Resposta

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“Eu, passarinho”

“Desfaz o vento o que há por dentro desse lugar que ninguém mais pisou”. Assim começa a bela, melancólica e quase enigmática canção “Resposta”, uma parceria de Nando Reis e Samuel Rosa. A letra, inspirada pelo fim do relacionamento de Nando com Marisa Monte, é um folk gostoso de ouvir e foi lançado lá em 1998, pelo Skank.

Nei Matogrosso é o protagonista disfarçado de passarinho em um poema famoso de Cazuza: “eu protegi seu nome por amor, em um codinome beija-flor”.

Com versos maravilhosos que começam com um calmo “ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida” Cartola deu um jeito de explicar à filha que o mundo é um moinho. A canção era um poema-pedido (não atendido, aliás) para que ela não saísse tanto de casa.

Sartre não acreditava em Deus, mas levava a maior fé nos homens: “é como se toda a humanidade esperasse por nossas escolhas para definir quem ela mesmo é”. Da física quântica à chave de fenda, não há o que não me surpreenda. Mas entre tantos entretantos, me impressiona mais que tudo a capacidade humana de drenar suas dores, expressar prazeres, lamentar perdas, festejar conquistas, questionar, responder, acalentar, aprender e ensinar com a delicadeza das almas sensíveis. Um dos discursos motivadores mais legais que já pude ver aconteceu no vestiário do Inter, antes da partida contra o Barcelona, em 2006. O senso comum, chegou à decisão óbvia, como todo senso e todo comum: meu colorado perderia, a questão era apenas saber de quanto.

Antes de entrarem em campo, os jogadores viram um filme, onde por efeito especial, os goleiros, zagueiros, meio campistas e atacantes históricos do clube se somavam a eles na partida decisiva. Falcão, Manga, Tafarel, Carpegiane, Dario, Figueroa, Valdomiro, Escurinho, Claudio, Mauro Galvão, tantos e todos. A locução afirmava que eles não estavam sozinhos contra o mais poderoso time do mundo. Que, junto com aquele time, jogaria uma torcida imensa e aqueles que conquistaram o título mais importante de todos: a reverência e o respeito dos apaixonados pelo inter. Que contra a vontade colorada, o Barça estava perdido. E perdeu. Não sei quanto daquele último discurso influenciou os atletas. O fato é que naquele dia o mundo deixou de ser azul para tornar-se vermelho.

Acho que isso aconteceu porque o tempo abre seus portais para quem está disposto a fazer história. A se arriscar por uma causa, a seguir em frente, a viver a intensidade das coisas. A amar algo ou alguém com a força da verdade que liberte para si mesmo esse algo ou alguém. Pode ser um novo emprego, uma carreira que se inicia, um nascimento, uma fórmula, um aplicativo, o campeonato, a viagem para o estrangeiro, o livro. Pode ser comandar a equipe, o departamento, a empresa. Pode ser um movimento, salvar o polo, limpar os rios, amar uma árvore, não comer mais carne. Pode ser qualquer coisa: se a gente quiser, o portal se abre e escrevemos uma história no sempre.  Ainda era bem jovem quando li algo que me impressionou, que dizia algo mais ou menos assim: “Um dia, é inevitável, você vai encontrar-se consigo mesmo. E não depende de mais ninguém que esse seja o momento mais pleno da sua vida”.

Nando fez uma canção ao final de uma caminhada. Cartola fez um convite não aceito pela filha amada. Cazuza protegeu alguém e seguiu adiante. Sartre desafiou Deus. O Inter venceu os deuses. Não se trata de heroísmo, mas de nos mantermos humanos e ternos. É assim que deixamos de ser instantes e nos transformamos em eterno.

 

PS ao Corintiano Voador, que ouvindo Enluarada entendeu o instante eterno: grato por me traduzir tanto.

 

Publicado por

Mariel

Vale o que está escrito

63 comentários em “Resposta”

  1. Oxente, homessa!,esse menino. E fico aqui sem palavras,…já se viu? De um paulista aqui mais ao norte, filho de outros tantos brasileiros mais ao norte ainda e cambando para o leste: rapaz! Rapáizi. Sabe brincar, não? Me pega assim, no contraponto e nem preparado estava? Digo o que? Digo nada, não. Você, vermelho. Eu, preto e branco e, vá lá, vermelho também. Nós que entendemos, que preferimos o dionisíaco ao apolíneo, o espetáculo à eficiência, o barroco ao clássico, o intuitivo ao racional. Ê, nós! Ê, Mariel, O Fernandes, emissário Del Rey em nossas províncias do sul, soldado da fortuna e trovador maior. Abraço apertado.

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    1. Bom, querido, você conquistou um lugar. Venha, fique à vontade, tome um café ou a bebida que mais lhe agrade. No meu caso, é café. Aproveite a paisagem, a vista é boa. Ao final da tarde, me emocionarei com o por de sol. E você vai explicar por que ele faz isso. Viu? O emocional e o racional são essenciais um ao outro. É por isso que existem. Abraço, tchê!

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  2. Sem palavras pra tanta lindeza! Apaixonada por teu texto!
    Transmitiu muito, e acho que cada pessoa que ler vai sentir de uma maneira diferente. Espero por mais iguais a esse!
    E que, quando eu me encontrar comigo, seja um momento pleno! :)
    Xero

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    1. Não tenho dúvida que será. E ainda assim, será um momento, seguido de outro e de outro, todos o melhor pra ti. Não esqueça de fazer diferença no mundo: a humanidade inteira está esperando tua escolha para definir quem ela é.

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  3. Deste uma ligeira “sumida”, mas quando retorna nos causa isso TUDO. Apareça com mais frequência, que os bons ventos tragam sempre estas inspirações que nos inundam de motivação. E boa sorte ao Colorado que não anda lá em tão boas marés! :p

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    1. O colorado, querido Juliano, vai precisar mais do que de sorte. Mas é o Inter, vai dar um jeito honesto que de desonestos estamos cheios. Teu comentário é motivação na veia e te agradeço feliz, feliz, feliz como gol do inter.

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  4. Os portais imaginários nos trazem sempre presentes bons. Recebi um desses instantes eternos aqui e também um, pelo mesmo moço homenageado aqui – como ele se habituou a dizer: o Voador, o corintiano.
    Texto fabuloso, como a amizade agraciada aqui.

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    1. Li o que ele escreveu, Mariana. O menino é desses travessos. Fosse um jogador, seria difícil de marcar e bom de assistir jogar. Como você, que vive me emocionando e traduzindo a vida que tenho.

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  5. Que gosto doce esse! Chegar e poder me sentar sem aguardar uma cadeira sobressalente. Chegar e sorver o silêncio. Meu egoísmo às vezes me engole e me empana. E na dor, me vence. Diálogos internos. Aqui, da beirada Mariel, observo as sombras, as nesgas de luz, crepúsculo e flores. Quase posso sentir a tépida e lanosa superfície que ouso tocar, e sentir, como à meu alcance. Porque venho aqui? Estou aqui. Partida. Que presente é poder ainda te ler. Sonho recorrentemente com uma montanha, uma grande muralha em que, exausta da subida, me apóio. Cuja sombra me dá alívio e descanso para continuar. Respiro fundo e vou fundo buscar o não visto, não sabido, não vivido. E é quando sonho este sonho que venho aqui. És uma montanha, Mariel? Se te cansa meu palavrório, me ignora . Não me impedirá, bem sabes. Pois que morro sempre um pouco quando a palavra morre em minha garganta. Sufoco demais estes dias. Me deixa sussurrar esse pus. Me deixa quedar à tua sombra. Que a Paz e a Luz estejam presentes em teu caminho, sempre e para sempre, Mariel querido.

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    1. Parece que você está se especializando em me emocionar, faz isso sempre. Palavras não morrem, querida. Elas se transformam em Anna. E então ficam eternas. Grato, com a força do sempre.

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      1. O Especialista é, dentre tudo o mais, você. Perdoa quando saio do tom. Só percebo o transbordo quando de meus olhos – são castanhos Mariel – já nada verte e posso vislumbrar o alagado. Sempre. Obrigada.

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  6. Em alguns comentários espalhados, textos me trazem também músicas e suas letras. Das que mais gosto e sempre está no meu tempo é “Conversando no bar” do Fernando Brant com a voz do Milton. A versos tantos tem essa pérola: Morri a cada dia dos dias que eu vivi. Assim tem sido. Teu texto lança ao mar das minhas horas mais que resposta (s): mais uma razão para continuar buscando…respostas. PS: talvez o único dia dos que vivi que não morri foi quando o Inter venceu o mundial e mundo se tornou vermelho.

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    1. Saiba que estamos juntos, querido. Penso, assim de verdade e sem pose, que viver é uma experiência de renascimento constante. E de crença de que isso vale o esforço. Eu acho que vale porque há a aventura, os banhos em águas geladas e as maravilhas de um bom texto, além de ti, é claro. Entende por que te citei por último? Por que alguém importante falou que os últimos serão os primeiros. Quanto ao Inter, naquele dia, (quase) morri mil vezes.

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  7. Você citou o filme do Inter… Imaginei os mais variados discursos que os jogadores ouviram antes e depois daquela final. Esse texto é uma reflexão de cabo a rabo, outros vestiarios poderiam utiliza-lo tranquilamente como base para um discurso. Eu que adoro “Resposta”, não sabia que a composição era do Nando, mas a mensagem dela é tão bonita que fui capaz de captar a essência mesmo assim.
    Abraços, sucesso.

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    1. Aquela final teve de tudo, Leo. E tens razão, devem ter rolado discurso motivacional de tudo que é jeito. Também acho “Resposta” uma delícia de ouvir, sempre descubro algo novo nela. Até há bem pouco tempo não sabia que a composição foi inspirada no fim do romance entre o Nando e a Marisa Monte. A mensagem é linda? Eu acho que existem várias mensagens ali, todas lindas. Abraço pra ti, querido.

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  8. É Mariel pelo visto sentimos, percebemos, respiramos e por que não adoçamos ao nosso jeito, seja com contos, com cantos, reais, fantasias, transbordos de alegrias, vidas entrelaçadas. Cada qual a traduz da forma que mais se assemelha, mais a transpira. O que falar quando se domina o transmitir com maestria?
    Abraços sempre! =)

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    1. Linda, querida, acabei de ganhar um dia especial com o teu comentário, que chega em um momento que deveria ser transformado em lei, tão legal que é.

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  9. “Um dia, é inevitável, você vai encontrar-se consigo mesmo. E não depende de mais ninguém que esse seja o momento mais pleno da sua vida”.

    Buenas tchê! Como é prazeroso ler o expontâneo. Parabéns pelo texto, por essa construção tão pessoal, tão vermelha e que chega a todos como um prisma. Onde cada um pode encontra-se na sua própria cor, sem negar que todas as outras contém belas siginificações ora ocultas, ora explícitas como o sol no fim de tarde do Guaíba. Cor, música e palavras são formas igualmente poéticas de falar de cantarmos a vida e assustirmos seus movimentos multicoloridos com encanto.

    Abraço verde e vermelho da flâmula catarina !

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    1. Que querido que tu és. Na verdade, abraços assim, em forma de texto, são uma coisa de tão bons. Animam mais que gol do Inter, que aliás joga amanhã. Pela descrição, conheces bem o Guaíba e o por de sol mais lindo entre todos existentes no planeta. Adorei teu recado, me fez tri bem. Abraço vermelho, querido.

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  10. “Um dia, é inevitável, você vai encontrar-se consigo mesmo. E não depende de mais ninguém que esse seja o momento mais pleno da sua vida”. É é… Sempre nos presenteando com seu jeito sensível de ver o mundo. Meu mundo fica mais vermelho… bjs

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