Rita Lee me encanta com sua voz suave. Pertinho do ouvido, ela conta que “há pessoas que a gente não esquece, mesmo se esquecer”. É uma música romântica e o romantismo parece ser o último reduto das coisas, inclusive dos roqueiros. Se não for isso, a conclusão sobre o tema poderia ser que os dias são puro rock, mas que gente sonha mesmo é com uma versão acústica da vida.
“In my Life” (a música que Rita adaptou dos Beatles) fala que entre tudo e todos, a poeta lembra realmente é de alguém específico. E descreve “cenas do meu filme em branco e preto que o vento levou e o tempo traz. Entre todos os amores e amigos, de você me lembro mais”.
Não percebi desespero, rancor ou saudosismo na letra. Ouço ali a constatação leve e branda de um registro que dorme tranquilo, vive na lembrança que o tempo tem do passado. Já não é o frio na barriga, nem a emoção estreante, não é mais forte ou galopante, não tem mais os sinais corajosos dos rompantes apaixonados. Trata-se mais um suspiro de melancolia sobre o momento alegre e intenso que venceu o cinza para ganhar cores e entonações vívidas. O problema é se nada do lembrado tenha sito, de fato, vivido.
Dizem os que entendem das mentes (e do quanto elas nos mentem) que editamos um pequeno percentual do que vivemos, seria algo em torno de 100%. Gente, gestos, fatos históricos, paixões, vitórias esmagadoras, brados retumbantes, olhares fulminantes, frases poderosas, derrotas inesquecíveis, abandonos e erros fenomenais, além dos comerciais das facas Ginsu, nada teria sido exatamente assim, caso tenha sido. Se existiu, foi dentro de outro molde. Entalhamos fatos de estimação, retocamos textos, burilamos reações e encaixamos detalhes sobre o que aconteceu? Será que somos artesãos, artistas quânticos, tingindo no espaço e no tempo acontecimentos que nunca estiveram lá? Nada, ou quase nada, teria acontecido daquela forma, de tal maneira, naquele instante, em tal momento, de todo modo, o que quer que seja, não importa o que? E se foi de outra maneira, o amor, o tom da voz, o professor, a cadeira de balanço, a comida da mamãe, a primeira vez, o último encontro, a derradeira escolha, a escola, o gol de placa, o rigor do inverno, o frio que passamos, o tempo que existimos, os arrepios que causamos? E se o que houve de fato, fosse um pouco menos torto ou um pouco mais exato do que um retrato falado, desses que descrevemos o bandido enquanto ainda estamos assustados? Era um gigante, com 8 olhos, 7 braços e 12 baionetas. Era para sempre. Era tão lindo. Era entrega. Era saudade. Era feliz. Era amor. Era o caminho. Era a causa. Era incansável. Era de ferro. Era verdade. Era mistura. Era mentira. Era menina. Era de barro. Era esquerda. Era esquina. Era direita. Era cigano. Era cigarra. Era uma canção bonita. Era álcool. Era erva. Era escarlate, era cheiro de terra molhada. Era Sartre, éramos 6, era o ser, não era nada.
Rita Lee fala de “lugares que me lembram minha vida por onde andei”. Mas se não podemos -e não podemos- confiar plenamente nas lembranças, que lugares serão esses? Existem ou foram criados e depois entregues? Batuquei na mesa de madeira onde trabalho, gosto do som que o movimento produz. A mesa foi feita a partir de uma antiga janela, que se abria já não sei bem para onde. Ao toca-la, é uma mesa. Ao lembra-la, foi janela. E, finalmente, chego onde In my Life me levou. A música pode ser um convite para a que gente seja grato pelo que houve, não como houve. Não precisamos concordar ou repetir o que quer que seja. Mas precisamos deixar que siga em paz o amor e suas escolhas, as separações, as descobertas, as uniões, as medalhas. Deixar partir exclusões, canções feitas em noites de lua cheia, o dito, o entendido, o descrito, as frases caladas, o coração seco, os olhos marejados, a vida e suas mudanças. O segredo de hoje é que hoje só vale para hoje. A nossa parte, quem sabe, seja transforma-lo em algo maior, melhor e mais real do que nossas lembranças.
Já calculei isso. Não somos de toda confiança. Mas, tem toda razão. O que importa é o hoje, o agora, em que somos melhores, bem melhores que nossas lembranças. Deixemos quietos o que nos fez mal. E, aqui e ali, emolduremos uma lembrança boa, isso, também, na medida certa ou incerta, não nos fará mal. Seu texto, inspirado quem sabe numa mesa que também é janela, teve a medida certa, como de costume. Grande abraço Mariel.
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Michele, fiquei dias sem escrever ou ler. Não foi ruim, foi estranho. Então voltar a encontrar amizades e ter trocas com pessoas como você é um sinal e tanto de que somos nós, hoje, aqui e agora. Um abraço de urso pra ti.
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Respondi, não se se chegou porque não aparece aqui. Se não te chegar, me conta que escrevo outra vez.
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Devolvo num abraço de ursa, pra dizer que chegou.
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Obbbbaaaa
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Que encanto de texto!
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Que encanto poder compartilhar com você. Adorei seu espaço. Meditação é algo que não consigo, sou uma espécie de Kung Fu Panda. Mas seus textos (um eles sobre ser feliz ou ter razão) são uma delícia. Seja bem-vinda
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Obrigada! Sejamos bem-vindos aos universos particulares compartilhados!
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Combinado!
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Recebo, de longe, novos nomes do cenário musical. Não os conheço, preciso usar o YouTube, e outras ferramentas para saber quem são.
E, por onde anda a Rita Lee, o q pensa desse Brasil de hoje ?
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A Rita anda reclusa. Foi diagnosticada com bipolaridade, se adaptando a idade, essas coisas. Ela sempre foi muito crítica, o que é ótimo. Imagino que continue assim. Super abraço!
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Oi querido, como já disse Freud “Lembranças são feitas não necessariamente de fatos, mas também de fantasias. A verdade tem força fundamental, e a verdade corresponde a realidade e, no nível inconsciente, a fantasia tem força de realidade”. Vamos que vamos… <3 Estava com saudades! Bjs Bjs
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Eu estou visitando aos poucos todo mundo. Saudade de ti também. Esse tal de Freud, como acha coisa nas coisas, hum?
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kkk Pois é meu querido. Obrigada pela visita! <3 Bjs Bjs
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Vou sempre e em todas as plataformas.
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Demorei a ler mais gostei da mensagem. :*
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Anna, tua mensagem caiu no span e não sei porque o danado fez isso. De qualquer modo, chegou o dia do resgate.
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Vim fazer uma faxina no meu blog, Mariel . Parei com o meu Blog do Óbvio faz uns três anos (ou mais!) e resolvi voltar outra vez porque sinto falta desse nosso cantinho e desses amigos queridos. Um abraço grande, Mariel. Até sempre .
Manoel -http://manofernandes.wordpress.com .
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Mas que notícia boa. Sinal que você está 100% recuperado. Vamos continuar sim, porque é isso que os amigos fazem: caminham juntos.
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Era casa. É lar. Preciso dizer “lindo de morrer”?
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Que bom você por aqui, Anna! Se é lindo, vamos viver então!
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Há muito além de mim acontecendo. Volto aqui, e lá também, muito e muito. Nada digo para não errar mais. Encontro de um tudo que eu aprecio por aí – lírico, lúdico, melodia, cor – mas Paz é o aroma das tuas casas. E é dela que preciso para respirar neste momento. O etéreo, tão eu, me machucou e já não sei lidar com ele. Já não confio mais no sopro em meus ouvidos. “Falo, falo, falo” mas, de verdade: não tenho palavras. E aqui, elas jorram da fonte sem ruído. Só respingos refrescantes. Obrigada Mariel.
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Se te fez bem, Anna, me faz bem. É o que importa entre amigos: não esquecer o que os une.
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Parabéns Mariel pelo texto lindo, ele me fez refletir sobre momentos da minha vida!
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Não se se respondo para o Erich ou para a Marcia. Na dúvida, vou falar com os dois: se fez refletir, se fez pensar, se fez bem ou mesmo se fez surgir um certo desconforto (às vezes é necessário), a conversa cumpriu sua missão. O importante, penso, é lembrarmos das nossas vidas e lugares por onde andamos e conseguir pensar o seguinte: valeu a caminhada. Super dia pra vocês.
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Olá, Mariel!
Gostei, parabéns pelo texto, também sou fanzaça de Rita Lee. :-)
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Dani, somos dois então. Ainda ontem estava ouvindo algumas canções dela. Leu o livro autobiográfico? Cada historia legal…
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Oi! Tenho vontade de ler, ainda não comprei… Gosto de todas as músicas, e ela tem uma baita personalidade!
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É um livro muito legal. E sim, uma baita personalidade
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Parabéns pelo excelente texto !
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Grato Vi! Me alegra tanto você por aqui.
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Grata por suas gentis palavras ! Agrada-me também vê-lo no meu blog!
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Vou sempre!
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Sei disso ! Grata! Belo fim de tarde !
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Lindo texto! Ótimas lembranças que nunca existiram… esse é o problema. Nem tudo o que é real para um é para o outro. Nem mesmo os pais de filhos que nasceram e viveram na mesma época são lembrados da mesma maneira! Parabéns! :)
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Que bom tu por aqui, menino Marcelo! Gostaste? Te fez bem? Trouxe pra hoje o que é de hoje? Então o dia está ganho.
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Seus textos, muito bem escritos, sempre acrescentam! Obrigado! :)
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Oba! super legal ler isso!
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:)
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Gostei da sua sensibilidade em tratar certos aspectos de nossa vida – lembrar – lembrar é bom se as lembranças são boas; infelizmente também há lembranças tristes,que nos acompanham. Que fazer com elas? Parabéns pelo seu ótimo texto. Abraço da Mariluz
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Mariluz, como acredito tanto lembranças boas quanto ruins são isso: lembranças. Têm pouca serventia prática talvez. Existem como uma prova de que vivemos coisas e que transferimos para essas coisas determinados sentimentos. O que você acha disso? Positiva ou negativa, uma lembrança é um convite que diz que sendo o que for, ela está no passado, onde deve ficar e de onde não pode sair. Super abraço, do Mariel!
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Olá e como sempre você e seus textos impecáveis,não podemos esquecer de nada a não ser também de acordar depois de um bom sono quando estar cansado. :)
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Olha quem vem lá! Acho teus conteúdos as coisas mais curiosas, engraçadas, emocionantes e… perdi o fôlego! Então, te ver por aqui é uma lembrança que não vou esquecer pela alegria que me trouxe
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Ahhh que saudades de estar aqui com mais frequência!
Deixo um beijo big ternurento na esperança de vir mais constantemente.
Clau Assi
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Clau, venha sempre que puder! Poetas aqui não pagam entrada.
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Obrigada… Virei mais vezes… É que me faz bem 😍
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Se te faz bem, o dia está ganho!
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E a noite também, risos
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Mariel, vou escrever como tu dirias, isso é magia, hummm. ;-)
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A magia é a amizade que faz, hum? Super abraço!
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O que é melhor…
A música dos Beatles? A versão de Rita Lee ou o seu talento para falar sobre a pintura que é a letra dessa música e a mistura que acontece dentro da gente?
Sei lá…
❤️❤️❤️
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Ana, querida. Desculpa a demora da resposta. Teus comentários, sempre, me motivam e entusiasmam tanto… Valeu pelo carinho, outra vez
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Olá Mariel, entre uma chuva e outra, aqui estou de volta. Chegando de mansinho e revisitando os amigos dos blogs… Escrevo com gosto para te agradecer pelo bom momento de leitura. Amei “Para não esquecer”! Além da sua característica sensibilidade, que é imensa, o texto me instigou a pensar… Fique com Deus. Um abraço🌻
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Ora, ora, ora, sempre bem-vinda! Não esqueça: como dizem os queridos matutos, “cada um traz em si o dom de ser feliz”. É com a gente!
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Rita Lee está fazendo falta. Irreverente e livre sim há pessoas que a gente não esquece, mesmo se esquecer … Gostei, abs
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Adorei a versão!
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*** (alguém cantando longe daqui. Alguém cantando longe, alguém cantando bem, alguém cantando, é bom de se ouvir).
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