
“Quadro a quadro” é uma expressão muito usada em ilhas de edição de comerciais ou filmes. É um recurso que te permite editar aqui e ali as falhas de um gesto, algo que não deveria aparecer naquele momento ou que simplesmente não poderia estar à vista. Congela-se um determinado momento e a correção pode ser feita antes do material ir ao ar.
Na vida é diferente, você erra e acerta ao vivo, não se pode editar o vivido, corrigir o dito ou evitar o gesto, uma vez feito. Se num comercial é legítima a intervenção e vale para o passado, na vida é diferente: toda correção só pode ser feita no futuro, caso o protagonista assim deseje. O fato é que você erra e se aprender com isso, pode não repetir o que entende como equivocado. Acontece que as falhas não são vistas como oportunizadoras de experiências ricas em si mesmas. São tratadas como imperfeições que devem ser julgadas, execradas e punidas. Então evitamos o risco de nos arriscar e sei lá, descobrir o caminho marítimo para Paraty, onde viveremos em uma casa azul, cheia das nossas coisas a acertar, repletas de entendimento no olho, de frases incompletas e conversas intermináveis. Sim, talvez não aconteça e isso seria ruim. Mas é imprescindível deseja-la, tenta-la, mante-la limpa e bem arrumada, sonhar com ela, buscar a concretude disso, esse elemento não pode faltar.
Por medo de falhar, não vamos. Por receio da entrega, não acolhemos ou ficamos distraídos da entrega do outro. Por temer o zig zag do amor, escolhemos a linha reta dos acostumados entre si. Sozinhos, o erros, as falhas ou as incoerências são o que são. Um pouco da nossa humanidade, uma parte sem a qual seriamos deuses, imunes aos elementos da dúvida e da vida. Acontece que se bem encaminhadas, a dúvida o vacilo e o equivoco podem nos levar à certezas, a ação correta e ao aprendizado. O que seriam essas coisas, o que é uma certeza, uma ação correta ou um aprendizado? É tudo que você faz e fazendo, entende que se a humanidade estivesse olhando, se levantaria e te gritaria urruh. Ou você mesmo se gritaria urruh, daria um pulinho no ar e bateria um calcanhar no outro.
Escrevo do lado de cá de uma distância que nos judia, de longos silêncios, de quietudes indesejadas, de uma saudade que não fica menor só porque não é dita ou é negada. O que nos ameaça é o morno, o silente ou o conformado. Há tanto esforço envolvido, o amor alcançado, o pleno obtido, um encontro ímpar entre tantos com tantos entretantos. É por isso que você luta para vir e vindo, estamos no lugar certo, onde o afeto nos abraça e vai para a praça brincar de ver o amor crescer feliz e arranhado. O mundo exige perfeição porque sabe exatamente o que não oferece, porque entende que isso não é alcançável. É por isso que toda história baseada no “foram felizes para sempre” precisa fechar a cortina rapidinho. O para sempre é indicativo de imperfeito no presente do imperativo. Nos negamos a reconhecer que felicidade e confiança são construções o que pode significar que as vezes você vai dar uma martelada no dedão.
Veja allminha, veja os os adormecidos em suas milhões de selfies, os desconhecidos íntimos, os fugazes, as celebridades feitas de likes, a maior banda de todos os tempos da última semana, os museus de velhas novidades e os influencers que não sabem amarrar o cadarço. Aos amores, vãos para que se amem de verdade. Imperfeitos e sedentos não de perfeição, mas do impossível que alcançaram, Ithacas de sí mesmos. Não há tempo a perder longe de nós, justamente porque longe de nós todo tempo é perdido. Estamos aqui vivendo a vida na vida, essa cena aberta, essa mistura de rock e de fado, esse momento glorioso entre seres amantes e seres amados.
Vi um programa sobre educação esses dias. O cara falava sobre os “erros”… erro está intimamente ligado a criatividade, tentativas, busca de novas respostas. Mesmo porque as tais “respostas certas” estão nos levando para um abismo.
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Ah, as respostas certas… As certezas absolutas… Ah o é só assim que se faz… Bem bom você por aqui, bem bom mesmo
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que belo texto, Mariel! nem vou escolher as melhores palavras do meu escasso vocabulário para não errar tudo o que estou sentindo com a leitura proporcionada por ti com generosa sensibilidade. então, fico aqui em silêncio e ao mesmo tempo envio um abraço carinhoso e minha amizade.
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Querido você. Nossa amizade, as coisas que trocamos, tudo que compartilhamos e quando. É no que faz toda a diferença e nos mantém caminhando. Gracias.
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Sonhar de olhos abertos, lá vamos nós!
Beijo, Mariel!
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Lá vamos nós!!
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Que legal falamos do presente, passado e futuro e mesmo assim não nos permitimos sermos Deus? Penso que somos deidades pois o Deus é único e pela intimidade afirmo meio sem graça. Falamos do tempo como se tempo tivéssemos e na verdade nos sentimos perseguidos por ele, ora nos tirando, ora nos dando até demais. Entendo que nesse jogo de dados nem sempre cairá o numero esperado, acredito que propositalmente Deus assim o fez para que a brincadeira não perca a graça, continuemos como nossos altos e baixos, tropeços e acertos, e vamos em frente, pois dizem que atrás vem gente. Abração Mariel!
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Que baita (no sentido de bom) ponto de vista, tchê. Não creio em intervenção divina nós dias da gente, ainda que tenha uma relação bem boa com o manda chuva. De qualquer forma, adorei os pontos.
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Gosto dos erros do Corretor Automático. Geram excelentes ideias. Se ele erra tão bem, por que não continuarmos errando acertadamente?
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Essa foi longe. Gostar dos erros do corretor automático me fez rir muito. Tenho dedinhos gordachos, é uma briga no celular. Aperto o a, sai e, é uma balbúrdia. Adorei a imperfeição tecladística. Abraço!
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A imperfeição está sempre presente. Faz parte. Mesmo os cortes de uma edição eram supostos nem terem acontecido, imagino. Antes houve uma estória em quadros, ou um ensaio, ou uma reunião, enfim a imperfeição é a pimenta da vida.
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Como toda pimenta, arde. Mas sabe que tenho visto isso, a beleza da imperfeição, do inexato, do transformado pelo movimento impreciso dos dias? Tenho visto (e vivido) tanto isso. E está tudo bem.
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Quadro a quadro te digo: seu ponto de vista sobre tudo é maravilhoso. Nessa maré de tantas coisas mornas, requentadas e cheio de mesmice, ler você é um bálsamo. Feliz em te ver de volta amigo. Não demora muito não!
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Roseli, há quanto tempo! Sua gentileza é sempre um motivador para escrever e compartilhar o que vejo. São tempos confusos e mornos em muitos aspectos mesmo. Assim assim, vamos. Que não nos falte ânimo. Gratão pelo incentivo.
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Amigo, e eu nessa correria que é a vida, ando bem distante daqui também. Mas sempre retorno.
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Venha sim
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O teu texto é tão perfeito que não há palavras pra dialogar, parece que nada é suficiente pra isso. Mas vê só, o Michelângelo passou anos a esculpir o Davi, segundo ele retirando os excessos, aquilo que não era necessário, acredito que é bem isso que o tempo faz com a gente, retira os excessos e aí a gente vai perdendo o medo de errar – acho que leva a vida toda. As imperfeições são mais gritantes ao pé do ouvido quando somos jovens, já adultos os erros ganham menos palco, mas ainda assim, ganham. Não sei, acho mesmo que é tudo uma mistura de ‘rock e fado.’
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Fiquei surpreso, Maby. Como você, acredito que retirar os excessos são um trabalho para vida a toda, o principal trabalho, talvez a única função real. Então, quando você me visita e deixa essa olhar com o qual concordo, te digo que achava que achasse isso sozinho. Talvez eu não possa te convencer disso, mas vou dizer assim mesmo. Me senti acompanhado e por me trazer isso, te sou muito grato. Valeu!
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Oba, estou a gritar “uhuuh”, menos a bater calcanhares pq não o sei fazer. haha!
Abraços!
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Que legal!!!
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Quadro sobre quadro com este ponto de vista, só com este seu olhar sensível. O que seria da nossa vida sem nossos erros e enganos? Morna… sem sabor de chocolate. Prefiro mil pimentas e um pouco de água pra aliviar. Abraços.
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Bia, boa Bia. Desculpa a demora da resposta. Tempos de pimenta sem água. Teu comentário é aliviante
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