
Um dia me convidaram para ver “O Show de Truman”, um filme com Jim Carrey, o comediante. Seria, portanto, um filme engraçado e quase caricato, era o Carrey. Na primeira cena, cai um spot de luz. Na última, eu estava em estado de choque. De fato, não entendia do que as pessoas riam. Ou porque reclamavam de um filme de humor que não tinha graça. Ou de um comediante que não fazia piadas ou trejeitos. Caso você não tenha visto, recomendo que você faça isso agora. Que perca o menor tempo possível entre o que esteja sendo feito e esse filme, que deve ser visto.

Jim é um artista raro e aquele roteiro é um eco sobre o ego e seus espelhos. O que eles refletem? Tudo que deixa de refletir, que se transforma em imagem projetada, em certeza sobre o outro, em cadeia lotada de opiniões sensatas e de bom tom. O personagem de Carrey tem uma existência comum, um emprego rotina, uma casa igual a milhares, vizinhos indiferentes e razoáveis, um casamento sem sal, uma vida traçada e então, na primeira cena, um spot de luz cai.

Peter Weir (diretor e roteirista) mostrará que há algo de assustador e incerto, viver é inexato e gradiente. Será preciso entender os sinais que nos damos e que nos mostram em desalinho que viver é uma enxurrada de escolhas. Não há estabilidade. Nem pequenas engrenagens que se juntam a maiores, que encontram outras, de dimensões ainda mais impressionantes. O mundo dá a volta em si mesmo em velocidade e direção determinadas e constantes, mas isso é só uma regra geral de funcionamento, era assim para os dinossauros. E então um cometa, como o spot de luz de O Show de Truman, de repente cai.

Acredite: isso é uma boa notícia. No fundo, sabemos o que é desejo, o que há de legítimo, de íntimo, de desatino negar. Algo nos conta, talvez seja a função invisível das dores das almas partidas. Dos encontros inesquecíveis. Da fissão. Da fusão. Dos portais. Da fissura. Da saudade. Da incredulidade de ver algo ir ou vir. Do nervoso que dá. Do estalo dentro de si ao ver-se partir. Mil pedaços, o início, o silêncio, o meio, o cansaço, o pedido desesperado de contato, a mão estendida, a escrita, a roda inventada, a letra, o desenho na pedra, o te amo, a aliança, San José de Havana, o não parta, uma janela azul, Ithacamazulinhatacama junte tudo e aprecie o anti cenário, a busca, o que resiste ao impermanente, o que faz surgir o que não existe, essa obra é sua, talvez seja isso o que te assusta. Saber que existem spots que caem e outros, que iluminam a jornada.

Que sabemos ou intuímos, que saberemos quando chegar, que será impreciso conhecer como se trata o garçom, o porteiro ou o motorista. Porque o amor não é uma bolha, mas todo o resto é. Porque tinha que ser com você, com Elis, com segue o teu destino, as cores são azuis, os blues, já disse hoje, o presente, a tonteira, aquela sombrinha no pulmão, a foto mostrada, o desejo por mais, a lembrança guerrilheira, algo não se vai, não é?

Então, terminado a película, estamos na realidade? Só consigo mesmo olhar para as minhas dores, o que me afeta, o que cabe, onde fico na fresta, uma cadeira num canto? Ou quem sabe olhe pra tudo com a lente das almas exiladas, as que estão sendo passadas, aquelas que não se notam, as anonimas e inacessíveis por serem destoantes ou imprevisíveis? E agora, José, você tem fome de que? No fim, no filme, aparecerão os créditos e você tem fome de que? A luz sobe. Você tem fome de que? Os guardas perguntam “quem está passando hoje?”. Então me peguei torcendo para que não seja eu quem esteja passando.
leitura densa e provocadora que vai lá no mais fundo de quem lê o texto. e vem chegando devagar o Pessoa com o dito dos navegadores “Navegar é preciso/Viver não é preciso.” assisti o filme tem já algum tempo. é hora de rever. de deixar um pouco a inquietação do lado de fora e viver o dentro com mais intensidade e mais imprecisão. e reler o textos mais vezes. e deixar o meu abraço fraterno ao amigo querido e voltar breve.
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Volte sempre que quiser, venha sempre que puder. Super abraço, marujo (ou maruja).
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Assisti esse filme já tem um tempo e lembro que na época, fiquei bastante incomodada. Mas o filme foi um dos poucos que gostei com o ator que não é o meu preferido. A temática é de lascar. Para provocar reflexão mesmo. E nos fazer pensar em nossas próprias vidas e o que estamos fazendo com ela. A resposta acredito que nunca teremos. Podemos levantar hipóteses mas certezas…Nenhuma. A única certeza amigo, é a alegria em ler seus textos. Uh!Uh!! Não demore pra voltar. Abração!
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Roseli, tem o “Lembranças de uma mente sem memórias” com ele também. Esse é de chorar disfarçando tão ardido que é. Quanto às respostas, como acredito, estão sempre ali, na nossa frente, quase gritando com a gente. Bom que você está por aqui.
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Eu vi este filme praticamente quando foi lançado. Acho q foi a primeira vez q pensei em Big Brother.
Depois houve a versão Simpsons do filme.
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Versão Simpsons? Não vi. Vou procurar
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Mariel, todos nós estamos passando…
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Não é que isso pode ser verdadeiro? Adorei
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Um filme que me trouxe muitas reflexões. Perguntas que gritam dentro de nós. Abraços
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Obras de arte nós moldam.
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