Real

The boy is Frank”, era essa a frase escrita no quadro. Eu estava no Champagnat, um colégio tipo rico. E estava lá porque era tipo bom de bola, um aluno tipo atleta, acho que ja te contei a história. A ordem era ler a frase, foi o que fiz. “Te boi is Frank“. Tinha transformado Frank num boi, coitado. A gargalhada foi geral e irrestrita, professor incluso. O caso, por muitos anos, ergueu um muro quase intransponível entre eu e o Inglês. Isso, mais o comentário feito pelo mestre, algo como “você entende que não falamos sua língua?”. Era uma alusão clara à classe econômica a que eu pertencia. Mas meus problemas não terminariam ali, na clássica luta de classes. Fui procurar ajuda ou consolo na classe econômica a que pertencia, onde me mandaram procurar a minha classe de riquinhos, já que ali não era o meu lugar. Resumo da história: eu não tinha classe. Um garoto pode ter dificuldade com isso tanto e a tal ponto que o homem se torne um especialista em ambientes hostis.

Ao longo da minha vida, tbem já te contei sobre isso, acharam de tudo a meu respeito. De esquerda, um comunista de carteirinha. De direita, claramente um elitista. Um isentão de centro. Como nunca fico triste e fui músico, só poderia ser sambista, deve ser uma estatística. Álcool? Claro, já que jornalistas, você sabe, todo mundo sabe, têm essa sina de beber até cair. Mulherengo? Só pode. Separado? Viu? É a comprovação: ninguém me aguenta. Sem namorada? Pais, escondam suas filhas. A alma que amo está num reino longe, longe, longe daqui? Esse não se incomoda, nada lhe toca, está tudo bem, ele não liga, é claramente alguma coisa, deve ser a bebida. Ah, teve o lance do gigolô, tinha cara de usurpador do dinheiro alheio. Eu me importo com o que vc pensa a meu respeito, mas preciso contar que nunca me importei com a fama associada a mim, não tenho estima alguma com a reputaçåo do momento. Desenvolvi um manto mágico que uso para desdenhar a opinião alheia, me interessa o argumento, pessoas e poderes não me impressionam. Publicitários são fúteis, filósofos inúteis, paraguaios são falsos, espanhóis esquentados, enfim o cardápio é enorme. Envolve pretos, haitianos, ricões, artistas. Nos últimos anos, pra quem olho esperando o olhar é você, como a vinda, o pertencimento, você é a seleção dos meus melhores momentos.

Entretanto, não tenho mais força, nem vontade, nem motriz para as coisas do convencimento. Sou ou não sou, precisa ser simples assim. Quem pertence ou conhece o clube dos perfeitos sabe do que falo. Eles exigem de um modo permanente que se esteja pronto para dissipar dúvidas de todo tipo, levantam senões, desconfiam como método. Por isso às vezes é saudável, necessário ou imprescindível dar um basta mesmo à dúvida de quem amamos quando a dúvida de quem amamos é injusta, cruel ou apenas desnecessária diante do tanto que é. Mas quero tanto ser aceito que vivo entregando atestados, cada vez mais sofisticados, de confiabilidade.

Lembro da única vez que enfrentei fisicamente o velho lobo do mar, meu pai. Passei sexta, sábado e domingo estudando para uma prova de Inglês, onde precisava de 9 num total de 10 para passar. Ele não só desacreditou do que dizia, como listou todas as coisas que eu havia feito. E eu não havia, algumas eram bem interessantes. Eu estava estudando feito um idiota porque eu era mesmo um idiota em várias línguas, Inglês inclusive. Eu nunca gostei muito de samba, nem de escola de samba ou rodas de samba, da maior parte da linguagem do samba ou de sambar. Beber? Raro, bem raro. Outras drogas? A maioria nunca e marijuana mais raro do que álcool, lucidez é importante pra mim.
Mulherengo? Namorei algumas e na maior parte do tempo uma por vez. Na fase adulta, sempre uma por vez. Amo a alma que amo desde que percebi algo na alma que amo e passei a amar a alma que amo. Anos se passaram, estive ruim pela vida, fiquei do lado errado do ringue, menti pra mim, me desliguei do sentimento alheio e voltei pra mim depois de um tempo. Desconfio de santos e demônios e de qualquer coisa ou de alguém que se esconda em uma causa como em nome do povo, entende? Mas vale para padres, líderes partidários, chefes de escoteiros e outras atribuições sociais. Tendo te proteger de todos os jeitos que posso ou que creio que te protejam. Luto contra posse, ciúme, imposição, invasão, raiva, medo, mágoa, segredo, desamor, distração, ausência. Mesmo quando a espera é tanta, a impossibilidade é toda, quando é preciso não existir (é a dor mais lancinante), acredito em ti porque sim. Não é cego, procura ver o que importa. Vou pra vigia, faço fogueiras, sinto tua fome, preparo cafés e procuro sinais de perigo. Quando os encontro, o que te deixa segura é o que me importa. Estou entregue e isso é o que tenho, minha entrega, um terreno onde podemos construir nossa casa e voltar pra lá. Pra mim, seguir em frente só pode ser dito se dito um em direção ao outro.

O fato é que não quero mais ter que provar, nem convencer, a mim basta que você venha ou não venha, o que for mais fácil, o que vier primeiro. Penso que cheguei a um ponto do vivido que não se pode aceitar nada menos do que o bem-vindo, a confiança simples recebida da simples confiança oferecida.

Hoje era pra ser a boa notícia, uma explicação sobre como funcionam espiões robôs e sobre como ficar livre deles em sua versão áudio, fofoqueira e invasiva. Comecei com meu pai insistindo que eu mentia. Continuei com os milhões de tudo o que sentimos, agimos ou falamos. No fundo, aprendi que algo não deixa de ser verdade porque duvidam. Elas deixam de ser verdade quando precisam de testemunhas. Eu não preciso mais. Não sou a melhor versão de mim, mas a única. Se quiser é sua e faremos planos. Também quero saber bem mais do que meus 60 e poucos anos.

Publicado por

Mariel

Vale o que está escrito