Conversas difíceis

Conversas fáceis são, deixe ver, fáceis. É o ponto de encontro, a opinião a favor do teu ponto de vista, a ação aceita como razoável, o inimigo comum, pequenas oposições, muita simpatia, claque ao teu lado.

Conversas difíceis são mais, deixa ver, difíceis. Ardem, apontam, desmontam, tensionam. É o agir desautorizado, o gesto magoante, o certo questionado, o semblante fechado, auditório contra.

Então você conhece alguém em quem confia num ponto de tamanha construção de de afeto que as conversas difíceis continuam difíceis, mas são mais fáceis. A receita disso? Tire a moral, a certeza, se afaste do senso, abra mão disso, livre-se do normal. Então põe na mesa a tua alma crua, se exponha ao risco, à despedida, à tristeza, a decisão que precisa ser tomada. Basta exilar o que há de teu, desatar o que há de nós da alma aos ossos. Conversas difíceis entre os que se amam continuam difíceis. Mas é muito melhor sofrer em dó menor do que você sofrer calado, ensina Chico. E a conversa é o não dito na passarela: tem beleza, mesmo que vejamos uma celulite na perna de quem desfila.

Conversas difíceis são um marco. Definem no vestiário o resultado do jogo. Pode ser derrota, pode ser dignidade, não pode ser qualquer coisa, precisa dignificar o tanto que já existe. Se mesmo assim as temos, se não as tememos, se a tremedeira vem mas você olha o medo na cara, isso é o o andar de cima das conversas. O palco some, a torcida silencia, somos nós em nosso horário nobre, é o afeto dito e feito em rede nacional.

Conversas difíceis, quando claras, iluminam a rua, os rumos, a origem e o destino. Tê-las é um merecimento, um alcance, o gol a um palmo do centroavante. É quase reza, é benzedura, é um prezo pelo outro que se quer ver feliz, que se quer bem, que se ama, que se considera quase mesmo uma parte de si, quando não a melhor parte. Ou porque caminhou tanto junto, ou porque não foi possível que caminhasse, mesmo que isso fosse o desejo. Penso que essas conversas sejam um tipo de bondade, uma forma de oração. É quando contamos dos medos que carregamos sozinhos, abrimos o pacote de sobressaltos, olhamos o tamanho da montanha, e entendemos que seja o que seja, nunca mais andaremos sozinhos.