Roda de conexão

“Gosto dessa sensação”. Foi isso que pensei antes de entrar na sala branca, ainda lúcido, mas com aquele torpor típico se avizinhando, efeito da anestesia. Não tenho a menor ideia de como a coisa funciona para apagar desse jeito o cérebro, mas aquela engenhoca parecida com um conta gotas, aquilo é coisa de gênio. Não o líquido que vai, a engenhoca que dosa o tanto que vamos receber por vez, quem pensa nesse tipo de coisa deveria ser abraçado. A dor era das boas e foi passando, indo, o sono se impondo. Gostei do relaxamento, de estar embriagado de anestésico, não sentindo nada, um estado sonâmbulo, quase doce, percebi um pouco de frio e de cansaço. Estranhei a médica mexendo com a minha perna de um lado para o outro e falei algo como ?!!*&kndkk@2, a língua dos dopados, o idioma dos desconectados. Lembro que me ocorreu algo como “e se eu não voltar?”. Me diverti pensando como seria desnecessária uma cirurgia de joelho nesse caso. Pensei em você e um breve riso teu percorreu a sala alva, silenciosa, dormente. A ideia de não te ver mais me assustou, sempre me assombra. Moral da primeira parte dessa história: antes do sono induzido e profundo, estava contigo e não havia medo, só presença. A sensação de estar contigo tornou-se prazer de estar feliz. Figuras como eu têm uma certa facilidade em lidar, enfrentar, discutir, oferecer-se em sacrifício, culpar-se e sorrir. Há por certo um componente de alegria na alma. Mas felicidade é em outro andar, exatamente esse onde você trabalha. Quando não escrevo é porque tenho hoje a consciência que faço isso como uma conversa. São diálogos, preciso deles, a declaração em si, a entrega fácil e leve. Acho que as dores (mais intensas nas duas primeiras semanas e agora em estágio civilizado) ajudaram nisso. As figurinhas que achei foram uma forma de me contar sem precisar passar por processos de curadoria. Isso pode? Isso não pode? Esse trecho está ok, não está? Dá trabalho encontrar a Mafalda olhando pra lua e dizendo “pensando em ti”, porque é isso que faço, te amo em tempo integral. Dia desses, num desenho sobre felicidade (Se não houve amanhã, você foi feliz hoje?), veio uma pergunta tipo “Foi*”?. Aquelas 3 letrinhas tiveram um efeito espetacular e renderam um texto sobre não ser um sim completo. O ponto que tento tocar é que encontrei meu tesouro e meu coração está ali, onde ficará porque cheguei e chegando te encontro, é assim. Está pacificado em mim, acordado entre minhas partes, oferecido na alegria da oferta do que pertence ao outro. Não carece de aceite, é o que é. Entende a importância que tem?

Sonhei com você e sonho contigo. A saudade machuca porque lembra a falta que faz. Estou bem, acho. Amanhã fazem 21 dias só da queda. Quantos anos não te vejo? Não sei. Mas és em mim, estando ou não comigo. Tuas vindas nunca passam desapercebidas e confirmam que existimos. Tua existência me alegra e amo cada passo e passeio junto. Sim, ontem mais do que hoje. Sim, sempre. Um dia te conto tudo sobre os dias que esperei pra te contar tudo.

Publicado por

Mariel

Vale o que está escrito

11 comentários em “Roda de conexão”

    1. É algo que raramente tenho, felizmente. Falo da sensação que a anestesia me trouxe. Quando voltei, a primeira imagem que me veio foi a dela rindo. Gostei mais dessa sensação. Aquele riso anestesia tudo, acredite

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