Um boa conversa é uma experiência fora do corpo, almas são trocadas e tem cheiro de grama cortada, o que é muito bom. Gente que se toca conversando não precisa dizer nada. Se convergem, se experimentam, se desentendem em diferenças e se compreendem baseados na confiança do diverso, do converso e do adverso. Sim, acredito que vivemos muitas encarnações, que nossas conversas são ancestrais. Nem precisa ser conversa funda e para ser sincero, nem carece de fala às vezes. Sentir-se escutado e ser capaz de ouvir, é disso que nascem as conversações. ´É uma capacidade rara, isso de “deixa eu te escutar o que vc diz e o que você cala”. Fluindo, nascem os entendimentos, não no sentido de acordos, mas pela permuta de verdades pessoais, desejos soterrados, construções a serem feitas, dorzinhas e dorzonas acolhidas e reconduzidas pelo mútuo afeto. Conversar é dizer da aventura de retirar das refeições uns goles de água e incluir agrião, tomate, ovo cozido, hortelã (fica bom, mas não exagera), cebola e pimenta, mais sal rosa. Novidades bestas, “nossa, me deu um sono de tarde”. Novas atitudes, planos, projetos, sobre o que nos acontece: viver é uma conversa longa e mudar é uma longa conversa.
Eu sempre digo a todos os times de criação que dirijo que as marcas precisam conversar, não convencer. Mais do que propósito, storytelling, slogans, co-criação com o público, persona e todo o glossário em inglês, o que sempre foi diferencial de qualquer campanha publicitária, programas políticos, eventos experenciais, palestras, discursos, treinamentos ou eu e você é a capacidade não de ouvir, mas de escutar. Não de falar, mas de entregar verdades. Sim, há boas verdades em todo produto, tirando cigarro e governos, talvez. Quer ver um redator convencional em apuros? Peça que ele escreva na primeira pessoa. Já presenciei atendimentos talentosos bugarem diante da pergunta “do que o seu cliente precisa?”. Não o que ele quer. Não onde pretende chegar. Não o público alvo dele, mas o que ele precisa. Isso só se obtém com conversas boas, algumas difíceis, muitas estranhas, todas importantes.
Conversas não são trocas verbais. Fosse assim, os mudos ou surdos estariam perdidos como experiência de vida. Um das conversas mais intrigantes que já tive notícia aconteceu entre a esposa de um soldado americano e o vietnamita que o matou em combate. Eles sentavam um na frente do outro, se olhavam profundamente em silêncio absoluto e depois iam embora, até que um dia alguém falou “eu nos perdoo” e seguiram seus caminhos.
Para ter boas conversas, que grande lembrança a boa e velha canção de Raul (só dele, o Paulo Coelho não estava nessa), Metamorfose Ambulante. Porque, afinal, somos gradiência sobre “o que eu nem sei quem sou“. Mesmo assim e por conta disso, o bom baiano afirmava “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. O que mais me impressiona na música grifei ali em cima. Não somos os mesmos, sabemos pouco de nós, é preciso conversar conosco sobre quem nem sei quem sou e milhões estão desconversando sobre isso. A canção fez um brutal sucesso na época e até hoje é lembrada, esse tempão depois da morte do maluco beleza. E porque? Por que é uma conversa verdadeira. Afinal, de conversa fiada o É o Tcham está cheio.
Uma conversa real é capaz de nos mover um em direção ao outro. Nos aproximar em laços invisíveis, nos transformar em boas lembranças durante o dia, em boa noite feliz. Quando almas se compartilham, se somam, se multiplicam, diminuem as distâncias, dobram em seus afetos e dividem os seus fardos. Amar é uma conversa. E estamos conversados.