
Suely Costa, em uma das suas muitas composições, lamenta que “só uma palavra me devora, é aquela que meu coração não diz”.
Renato Teixeira, entre desanimado e triste, já declamou coisas como “a barra do amor é que ele anda meio ermo. A barra da morte é que ela não tem meio-termo”. O lindo poema é parte da obra de Cacaso, professor e letrista dos bons, que se foi em 1987.
Nas criações de Sueli e de Cacaso há muita consternação e não faço aqui um julgamento ou comparações entre os dois. Procuro mais é tirar das observações deles alguma lição escondida ao meu olhar curto e seco.
O que me ocorre é que podemos nos transmutar em seres com relações secretas. Não no sentido de proibidas, escondidas, imanifestas. Também isso, mas não só isso.
Falo de secretas para o outro, aquilo que o teu coração não diz, como afirma Sueli Costa. Ao calar sobre o que precisamos ou ao deixar de agir em sintonia com o que o outro carece e que poderíamos fazer sem prejuízo de nós mesmos, corremos o risco de nos tornar sabotadores de afetos genuínos e bons.
Dizer em demasia pode ser incômodo. Demonstrar demais talvez cause desconforto. Tudo que acanha ou sufoca precisa de correção e limite. Mas e quando não dizer transforma o fértil em árido? E se continuamente tornarmos normal uma postura que condena o outro a dias de silenciosa desimportância? Deixar o amor ao ermo é condená-lo à morte, que não tem meio termo, como alerta Cacaso.
É importante entender as relações secretas que criamos quando rotinizamos o não recebimento do que nos nutre ou se não falarmos sobre o que nos exaure. Podemos fazer isso continuamente e se não nos avisarmos, prosseguiremos fazendo e isso não precisa, nem pode ser assim mais.
Se nos retiram coisas. Se deixamos de entregar outras, os encontros escasseiam. Mudanças são adiadas. Projetos empacam. Romantismos recebem vaias. Reduções são feitas. Indiferenças são minimizadas. Afetos começam a sofrer de reumatismo e não surgem providências no horizonte. O que pode acontecer em seguida é que o desânimo ou a mágoa condenem à forca a parte mais importante de nós, que é a capacidade de amar e de receber amor. Não se engane: não há nada mais importante para se conhecer em vida. Ao largo do amar e do receber amor, nos convenceremos que é o dia a dia, que é o mercado de valores, o trabalho, a aspereza do tempo, a falta de tempo, o excesso de tempo, a inexistência do tempo, a impermanência do tempo e a ação do tempo. Então cai o temporal. E entenderemos que somos assim mesmo. Que não precisamos. Que o outro não ajuda. Eventualmente nos chegam pedidos explícitos de auxilio, verbalizações, aquilo não era um treinamento, foi dito e solicitado contato, de retomada, porque pelas nuvens se pode ver o tipo de clima. Se deixamos que o essencial sejam outras coisas e não a construção de relações não secretas, cairemos sem asas no abismo do é assim mesmo. É o mercado. Não deu pra fazer nada. Está quente. Esfriou. Outro dia. Não pude, não comentei, não li, não fui, não tornei possível, é isso, ficou pra depois. Então o amor, que deveria receber tratamento de chefe de estado, ganha às vezes uma nesga de atenção, uma palavra mais aquecida, um gesto, apresenta um símbolo, mostra um sinal inequívoco da sua essência e assim enfrenta os invernos e ventos uivantes que o torturam.
Mas, como diria Sueli costa, “nada do que posso me alucina tanto quando o que não fiz”. O que fazemos (e o que deixamos de fazer) se manifestará de formas diversas. Somos autores da nossa realidade. Talvez isso explique os distanciamentos, as separações, o sucesso de coisas que são medíocres e o fracasso do que poderia ser genial. Os dois polos são inaceitáveis e não há possibilidade de conciliação entre elas, não mais. Não sem a morte do nuclear que nos diferencia, algo ainda mais temoroso de se viver sem eu, você ou nós.
Então te sirvo Neruda e seu conhecimento profundo do amor, das asperezas dos distanciamentos e da importância de unirmos luz com mais luz, iluminando as nossas sombras, sempre tão prontas a conspirarem contra nós mesmos. ***
“Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo. E essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas.”
Valeu!
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