
Algumas palavras têm outras por dentro. Deus, por exemplo. Tem eu no meio, notou? Amarelo conta que amar é um elo. São palavras-filosofia, que escondem nelas mesmas significados profundos. Deus ter “eu” renderia várias boas discussões semânticas.
Por outro lado, há palavras que carecem de explicação ou clareamento. Quando escrevo “sorriso”, vc pode ver (nitidamente, o que deixa algo nítido na mente) alguém em atitude sorridente, palavra que mistura sorriso e dente. Mas quando digo “resistência”, é possível notar de cara que se trata de uma palavra manca. Pode dizer manca atualmente? A atualidade mente. Ela precisa de uma explicação. Resistir a que? Trata-se de uma resistência (física, emocional, política) ou resistência (um componente eletrônico)? E pra que existe a tal? Pode ser para se contrapor ao autoritarismo, como a Resistência Francesa contra os nazistas. Ou resistência à ditaduras, como o MR8, grupo de guerrilha que combateu os militares brasileiros, autores do golpe de 64. Quase todos morreram, depois de torturados, ou em combates desproporcionais, mas o fato é que resistiram. Resistir também pode ser associada ao atletismo, indicando que os competidores precisam dessa virtude (no sentido de folego e músculos) para uma prova de 42 km. Resistência também pode ser um componente elétrico, comuns em chuveiros, por exemplo. Como dá pra ver, trata-se de uma palavra oca, já que precisa ganhar recheios para ficar completa.
Resistência é uma atitude. Resistimos ao novo e nos transformamos em reacionários. Resistimos ao sábio e fazemos escolhas estranhas. Resistimos à possibilidade da não reciprocidade e amamos. Nem toda a resistência é bonitinha. Pode significar uma certa impermeabilidade às mudanças, esses ciclos necessários para o desenvolvimento coletivo ou individual.
Ainda assim, resistir à vida ou à morte parece estar no gene de tudo que é vivo. Durante nossas jornadas, resistimos. Ao desamor (aparente ou não) de pais, tutores ou criadores, seguimos em resistência. Às dores do crescimento físico e emocional. Aos amores vãos. Aos políticos e aos gremistas. Resistimos em escolas, hospitais e estradas. Em relacionamentos, em empregos, nos grupos sociais, nas redes. Não resistimos a ficar anos fumando. A estar em toxidades diversas. A comprar um Iphone por 13 mil (não, eu não comprei. Não precisei resistir. 13 mil…). Nos tornamos seres resistentes a quase tudo, do luto às comemorações. Resistir é esperar que a resistência nos purifique, nos justifique e nos acolha. Resistir é uma escolha, muitas vezes pragmática, quando a alternativa é ainda pior. Estamos aqui há muitos séculos por resistirmos às intempéries, aos fascistas em geral e ao Bolsonaro (acho que vc perigosamente minimiza o que esse cara é capaz de causar) no particular, aos mercadores de esperança no geral e ao Lula em particular, aos de direita, aos de esquerda, aos que nos impõe pertencer a um dos grupos. É preciso resistir à tentação de estamos absolutamente certos. De ficarmos perto do que nos aborrece, emburrece ou que torna invisível um olhar generoso ao mundo. Afinal, olhares generosos um para outro é a marca registrada dos amantes. Vai que tudo seja influenciado por quem resiste à indiferença e ama a humanidade. Que ama o outro como se fosse ele mesmo. Que ama e dá vexame. Que ama e espera, resistindo à evasiva fácil de ir-se. ***
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Obrigado, Eder
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