Faz um rigoroso inverno, desses que gelam os ossos por onde passa um vento cortante e seu som sibilado fshiiiiiooooo. Lá, adiante do morro dos réus, o sol se dispõe a ir e o céu abre passagem. É lindo de ver, a ponto de levar a saudade de qualquer verão pra longe. Depois de um dia inteiro tiritando, um dia não, dias. Dias não, meses. Foram meses tiritando. Então, finalmente um descanso no feno e seu aroma de feno, a consistência de feno, o cansaço que acolhe sem saber de nada, afinal, é um punhado de feno. Serve para deitar, depois de meses tiritando de frio e pensando impropérios correspondentes. Aos poucos, a pálpebra pesa e os pensamentos se acomodam em cima do trator. Atrás do ancinho. Ao lado do balde. Nos dentes do rastilho. Nas costas da pá. Junto com os marrecos. Nos lampiões na madrugada. É o seu tempo de sonhar-se. Ali, escondido no celeiro e acolhido entre o feno e o frio, dorme depois de mais um dia. Tem a sensação boa de um dia bem feito. É quando adormece.
Cheguei pra mim e disse o que precisava na minha cara. E o que eu queria era um tempo sem que eu ficasse atrapalhando com minhas opiniões, olhares e desejos. Ofereci e aceitei um gole de Malzebier pura e gelada e pensei comigo que estamos juntos há praticamente 61 anos, É tempo ou não é? Sabia que em algum momento me surpreenderia com um pedido desses. Mas me olhei nos olhos e percebi um cansaço geracional, uma preguiça cósmica, o sentimento ancestral que mais parece um vanerão com toque de rap.. Peguei minha mão e me autoproclamei em estado de ócio. Enquanto não acordo, sonho com rumos. ***
É nome de quadro, é obra de arte, é invenção que te tira do senso comum. E se vale para um amortecedor de bicicleta, vale para as luzes que a vida merece.
Havia um grão de areia diferente, lá longe, distante, vivia na beira de todo mar que existia. Olhava dali navios, borabora, aurora, entardecer. Era bem queimadinho o grãozinho, amava o sol tostante, sim, o amava bastante. Mas não tanto nem com tanta intensidade quanto ao vento, mas quem quer comparar? Quando se gosta de um e de outro, um e outro são indispensáveis. Um é brisa. Sopra, acalanta, leva, você quer sentar, ele te levanta, sua natureza é movimento, quase um beijo. Ah, você vai gostar de beijos, mas isso é outra história, de muitas outras que haverão. Se um é brisa, o outro é sol. Luz, calor, trópico, vitamina D. O graozinho de areia o adorava. Era uma alegria a chegada e outra alegria a partida, porque ambos se conversam, trocavam bicocas e pega pega, era um jeito de brincar, de tocar e de divertir.
O sol se pondo não se opõe ao sol nascendo, oh não. O graozinho de areia soube assim que entendeu a giringonça das coisas. Entendeu então que as coisas giram, fazem um looping, sobem, descem e, às vezes choram. Até o sol chora, é a chuva e caso as duas coisas aconteçam juntas (sol e chuva), é sinal de casamento de viúva. Quando você assistir a água caindo do céu e o sol mandando ver, corre pra varanda da tua alma, allminha. Então respira o mais profundo que puder e sinta o aroma da terra se molhando, se ensaboando, ficando cheirosa igual a você. É um encontro fundo e gostoso, igual a pisar em poça dágua, banho de mangueira, pipa feita em casa, cafuné e café com leite, Nescau quentinho, carinho, a gente junto, inexplorando pressas, sem promessas, só ali, no dia que é o único dia possível, já que ontem foi embora e amanhã? Amanhã nem existe.
Você jura que não sabia que os italianos chamam café de Capuccino? O grão de areia não sabia e não sabendo, não conhecia que há muitas formas de se chamar as coisas. Dia, noite. Amor, anel. Tonel, túnel, palito, paletó, moça, maçã, muquirana, manhã. Chico, Milton, Djavan. Um, dois, três, feijão com arroz. Quatro, cinco seis, feijão inglês. É tanto nome que te deixariam zonza. Tonto é cavalo do Zorro, morro é um monte e morte é morro. Mato é um lugar cheio de sementes que ninguém matou. Mato é um gesto amargo e amargo lembra chimarrão. Tudo que passa é passageiro, porque procuram ali o eterno? Terno pode ser roupa ou afago. Quero tirar tua roupa e dormir no teu umbigo, domingo a domingo, no teu colo toda segunda, no teu abraço nos feriados, no teu amor todo santo dia, mesmo nas quintas de futebol. Como é a primeira vez que se ama? Agora eu sei você.
Um dia, o graozinho de areia chegou diferente do seu jeito de sempre chegar. E na beira de onde estava, passava das seis. Em muitos lugares, quando isso acontece, a noite vem. Devagar, sem susto, sem pressa ou necessidade de apoio. Graozinho nem notou, nem se assustou e o céu ficou num azul noite estrelinha, noite estrelada, noite em que se você me dá teu dedinho mindinho, eu não preciso de mais nada, só que você cresça em mim, aconteça devagarzin, e se eu disser saúde, você atchin.
Outras vezes, menina, vou te pedir a alma e te entregar uma vida encontrada em si mesma. Uma vida não Severina, sem severidades, uma vida escarlate, cheia de gols do Inter, bicicletas com nome, histórias dentro de caixas. Ah, allminha que amo, você precisa saber, nosso menino entendeu que fico “alguém que sorri toda hora” assim que de veijo (mistura de ver e beijar), depois que entro ou saio da tua casa que é minha, do teu desejo que é meu. De uma conversa besta. De uma piada ou de uma história como essa, do graozinho. Dizia que ele estava lá quando a noite chegou e quando a noite chega, não nega sua presença, distribui inspiração como quem dá um presente.
Se uma estrela já linda, imagina trinta. Imagina milhares de milhões piscando pra ti, que ciúme e que gostosura. Grazinho resolveu contar. Um, dois, três, doze, treze (número lindo), 16 (número misterioso), 80 mil. Enquanto contava, foi entrando pacificamente no Atlântico e, inspirado nas águas, como nada havia a fazer, nadou. E rodopiou em recifes que em 10 anos nem existirão, entrou em correntes, deixou-se, bateu em tartarugas, conheceu cardumes, foi ao fundo, reconheceu algas, percebeu navios, lanchas, pés de patos, profundezas e algumas tristezas, namorou tartarugas legais, viveu tanto e de tal modo e maneira que algo lhe acontecia enquanto mergulhava: sentiu saudade da beirada, de ser areia molhada, amante oceânico, pequeno monte, grão finito, no meio de infinitos grãos. Então amou-se a si mesmo, um descanso profundo, algo se despedia enquanto outro algo nascia devagar. Cansado, o grãozinho dormiu e quando viu, acordou estrelinha do mar.
Atores são um coiso, quem não acha? Poderosos, hilários, elétricos, inspiradores. Gosto de sets, de cenas, das luzes e de ver atores e atrizes em ação. Mesmo os coadjuvantes, mesmo os iniciantes, mesmo quem já morre na cena um, minuto um, quando a maioria ainda está se ajeitando na poltrona. Eu não: adoro os trailers. Ali se define os próximos a assistir e lembro minhas cenas favoritas com a allminha que amo. São sempre quase duas horas inesquecíveis e às vezes até os filmes eram bons. Talvez por isso gosto tanto dos sábados. Sabe porque? São dias perfeitos para grandes artes e a melhor cena é ver você.
a foto é de Anthony, um inglês que sabe mesmo como fazer um click
Ando de mãos dadas com Sartre ultimamente. Mas olha se essa frase não é de ficar fascinado, num cantinho, pronto para sair do nada e chegar ao ser:
“Escolher é um exercício de liberdade. Mesmo que sua opção seja a de não escolher, ainda assim será uma escolha. E ainda assim será liberdade“.
Respeitar escolhas, olha como as coisas se comunicam, é um dos preceitos do budismo. No cristianismo, há muitas passagens sobre isso, do tipo “existem muitas moradas na casa do meu pai”, como quem diz haver um universo de escolhas a serem feitas. Platão é dual, o mundo das ideias e o mundo real: são poucas as possibilidades, mas são pelo menos duas. Onde amarro Sartre nisso tudo? É que se a existência precede a essência (conceito dele), vejo nisso o que? Escolhas. O que fazemos do que nos fizeram. O que construímos nos atos cotidianos que habitam em nossas narrativas. O que escolhemos viver e ser a partir disso, apesar disso, por causa disso.
A impressão que me dá é que fomos criando trilhas culturais, desculpas tolas, regras de bom comportamento, aceitações gerais, zonas coletivas de conforto e carimbos emocionais tantos e tão numerosos que é praticamente impossível ter uma “vida que valha a pena ser examinada“, como diria Sócrates a respeito da existência bem aproveitada, assim, no sentido de plenitude e alcance.
É uma forma, uma das muitas, inúmeras, diversas formas de ver o mundo, de dar um sentido aos dias. É mais ou menos como entender que “o destino do caminhante não é o caminho, é o caminhar“, tomando emprestada a linda frase do Antonio Machado para coloca-la na prática dos Joãos, das Flávias, dos Egbertos, dos Gismontes. A humanidade não é uma perspectiva, uma opinião, um certo ou um errado. Reduzir o que temos de humano a um jogo entre casados x solteiros é quase má fé filosófica, outro conceito sartreano. Elevar o que representamos como humanidade a um nível divino também, porque não nos sobraria nada. Somos os erros que cometemos, os acertos que obtivemos. As pessoas que inspiramos. As histórias que escrevemos, os horizontes, os desejos e as escolhas que registram o que fomos capazes de realizar a partir delas.
No fim das história, pra trazer Sartre de volta na nossa conversa, só no fim dela é que seremos. É depois da nossa viagem que a humanidade dirá no que ela se transformou após a nossa passagem. Canto contigo. Conta comigo. Leio em você. Tenha comigo. Estou do teu lado porque sendo amor é isso que ele gera, as janelas do sempre. A minha escolha é a gente.
O presente de hoje é uma história encantada, quem sabe porque o amor nos deixe puros e tontos se alegria
É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos (FP)
Lindo, não? Fernando Pessoa (ou qualquer outro nome que tenha usado) entalhava nas palavras algo vivo, vigoroso e definitivo. Quando alguém me conta Fernando, bebo desse vinho, amo as minhas rosas e sigo meu caminho. Enquanto me movimento, colho canções que dou de presente. Sempre espero que elas sejam fortes e que vistam de azul, de terra e de verão o coração tropical da gente.
Essa bicicleta está parada em um bar cool da cidade. É um bom lugar de se estar e olhando pra ela, notei que as nuvens refletidas no vidro a levavam para o céu. Foi um fim de tarde preguiçoso, uma lua estonteante apareceu como que sugerindo o cenário dos próximos dias.
É o que desejo do fundo da alma: transformar tudo aquilo que vi, em um tempo azulado e cheios de afetos que a gente se entregue.
Skank é uma das bandas mais queridas de todos os tempos. Samuel é o anti astro que arrasa, mas o grupo todo é bom para iniciar o dia ou, no nosso caso, a semana. Vamos?
Bibi foi desses cometas capazes de brilhar por 98 anos e que depois que passam, não passam: são capazes de brilhar no sempre. São desejos transformando a realidade, sonhos que cantamos juntos, o amor restaurando e restaurado. Não se trata do que ela foi, mas do que fez. Cantou plantando altivez. Interpretou o Brasil. Falou em línguas. Traduziu a alegria de atuar no palco como quem bebe a água da vida. Não ficamos menores sem ela, nem ficamos mais perdidos. Basta aguçar os ouvidos e seguir sua voz, tudo estará bem Bibi, bem Booechat, bem Piaf. Que o find seja uma canção grata por tudo.
O presente de hoje é uma lembrança de um carinho que recebi num tempo que canta em mim.