Não passa desapercebido

Resumindo, fico feliz. Mas ficar feliz é isso, um resumo. E, como tudo que se resume, não conta tudo. Fica abafado o movimento do olho que se arregala, porque uma surpresa desejada, finalmente, ocorre. Um sub riso se instalada. Não se percebe bem, mas ele está ali, rindo. Suspiros? Tem sim senhor. Acho que é o mesmo sentimento que se apropria de um atleta que sabe que acaba de fazer algo formidável. É um suspiro, mas também é um alivio. É isso e também uma euforia, mas não termina aí. Se mostra um contentamento, que não para nisso. É mais do que um gol do Inter. Mais do que um gol do Inter no grêmio. Mais do que um gol do Inter no grêmio e que decreta que o grêmio vai para a série b. É mais do que muita coisa, portanto. 

Para te dar uma ideia melhor, também pensei em metáforas. Coisas simples, mas boas como imagem. Algo que envolvesse cor (azul, amarelo?), horizonte e navio singrando os mares, mas não. Isso é muito ui ui ui. Fiquei explorando, mas nada era (de fato), apropriado. Não queria algo grandioso, sabe? Não que não seja, mas é que não se trata disso. Queria contar das pequenas reações em cadeia. Não sei se você lembra dos programas de pergunta e resposta. Quem foi o imperador autoproclamado da França? A câmera fecha no rosto do participante, que está pesquisando em fichas internas a resposta que garante mais mil reais. Você diz na lata “Napoleão!”. O sujeito, suando frio, diz um titubeante Napoleão. O âncora pergunta se o cara tem certeza da resposta, veja lá. Você diz “sim, sim”. Ele, reticente, afirma um sim com menor certeza. 

Momentos de silêncio, sob uma música de tensão fake. Então o apresentador decreta um “certa, a resposta”. Vê-se o alívio no sujeito que respondeu. Mas o que falo aqui é da sensação que toma o telespectador que também acertou. É um tranquilo “eu sabia”, uma satisfação pelo conhecimento. É disso que falo. É uma satisfação. 

Mas é que satisfação parece um fico feliz. Um resumo, possivelmente um resumo ainda mais hermético. Então, quero contar que me faz desejar que o Grêmio empate o jogo. Que não seja rebaixado. Que os cortadores de grama me fazem lembrar você.  Que é como um navio amarelo de bandeira azul surgisse no horizonte de uma ilha deserta onde mora um náufrago de nome Napoleão, que será resgatado. Que tenho certeza das respostas que daria sobre a nossa história. É, como tento demonstrar, uma mistura farta, confirmando a conexão. 

Em resumo, fico feliz, mas isso não diz tudo. ***

Ouço

Se alguém me dissesse exatamente o que eu quero ouvir, o que seria? Exatamente isso, um amor embriagado de alegria e um eu te amo sussurrado na velocidade em que o som se transforma em felicidade. Precisa mais? Precisa mas vem, sempre vem: a quietude também bem me quer. E nossa, desliguem tudo, parem as máquinas, amei ouvir o som desse silêncio.

É sobre você

A Invenção de Hugo Cabret é um filme que não vi, baseado num livro que não li e que alguém fez o favor de me guiar em direção ao mundo civilizado, me apresentando à obra. Quem me conhece, sabe que leio de tudo. Bula de remédio, folheto de imobiliária, Bíblia, Cartas ao Amor Distante, Gibis, (adoro Asterix, por exemplo. Mafalda, quem não?), livros, livros, livros, manuais, dicionários, avisos em elevador, jornais, revistas, livrões, leituras me encantam. Entrar em território desconhecido como a Invenção de Hugo Cabret, não tenho dúvida: será estar um pouco conectado a um espaço portal, onde o tempo não importa e sim o fato de alguém ter estado ali ou ali permanece. Sem precisar pensar muito, me dou conta que te conto como quem conversa tudo o que se passa comigo. Não sei se percebes citações, declarações, convites, há muita possibilidade interpretativa em silêncios alongados, como aqueles ruídos da estática, comuns nas transmissões dos rádios amadores e “amadores” foi uma insinuação luxuosa. Ainda assim, junto aqui e ali um sinal e faço disso um pedaço de lembrança, um círculo de confiança, um anel, uma aliança e sigo deixando meus rastros pelos caminhos onde passo. São dias felizes, não há dúvida e (espero), aproveitados com a alegria de quem semeia, de quem pedala, de quem escreve e de quem conhece (ou quer conhecer) belezas como A Invenção de Hugo Cabret. Como sempre, farei isso um tanto com você e repartindo com quem me lê um pouco das delícias que vivo. Aceita um domingo amarelo de sol? Queres um texto de Drummond ? Abre um portal? Quem sabe caminhamos descalços no quintal? Talvez a gente acorde mais felizes de manhã. O que quer aconteça, será bom de ver, de ouvir ou de contar, tirando o fato de não haver qualquer lembrança de muros. Imagina a vista, querida, imagina a vista.

O presente de hoje é declamado por Roberto Carlos, direto de Drummond.

Chuva dos sonhos