SOS (mas não precisa)

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Espero, mas não como em tempos atrás,  já que hoje não desespero mais. Às vezes leio Acidente em Antares, às vezes creio em olhares e escrever ainda me acalma. O que nos salva dessa falta geral de assunto, desses silêncios profundos e por que sobrevivi? Talvez porque tenha algo a falar sobre viver. Ou porque  sempre sobra viver, ou quem sabe essa seja a punição da sobrevivência: ter que lembrar a experiência, estando em sobressalto constante, já que a qualquer momento, sabe-se lá, será preciso decidir partir ou ficar.  O que aprendi de todos os  afundamentos, todos os afogados, todos os náufragos e seus naufrágios é isso: somos naus frágeis e não temos a menor chance quando traduzimos mal as múltiplas mensagens, sinais e recados das correntes submarinas. A boa notícia é que o resgate pode não vir. Podem ter achado boa ideia te abandonar ali. Muito cuidado, pode não ter sido um acidente, entende?. Então, entre as escolhas possíveis, te levar para os botes salva vidas não era realmente uma alternativa e –sei lá- sempre nesses casos, se joga fora os pesos impróprios, aqueles que estavam presos a si próprios.  Seja rápido quanto à conclusão sobre o caso ser naufrágio ou não. E comece de pronto a lidar com as criaturas das areias, os barulhos da ilha deserta, aprenda a fazer fogo, invente a roda, entenda os humores da sua natureza e –querendo voltar para o continente, esse lugar estranho e cheio de gente- enfrente o mar e suas correntezas. Saiba que ninguém suporta cartas náufragas, nem quem usa o sal marinho como  unguento. Não esqueça que sofrer não é ecológico: garrafas levam mil anos para se tornar água, tenham ou não bilhetinhos dentro. Esteja pronto para noites muito escuras e outras, melhores, de lua cheia. Perca o menor tempo possível implorando inspiração aos astros. No lugar disso, invista até a exaustão em um bom mastro, são eles que guiam os barcos, qualquer que seja a direção escolhida.  Um dia, parta. Conte com os ventos, marés, movimentos, a reunião dos deuses, o canto da sereia da tua vida, o carinho definitivo de uma torcida invisível, fé no que for possível. Reme, singre, navegue, honre os seus sete mares e enfrente aqueles nunca antes naufragados. Então, enquanto baixa e levanta velas, você vai descobrir o que te resolve, quem te envolve e te acalanta. Não se trata de voltar a sorrir,  mas de voltar a ouvir o som da tua alma marinha. Escute bem: quando a tua alma passarinha estiver pronta, é certo que ela canta.