
Vamos pra casa, onde é simples. Não, não disse fácil. Fácil é diferente de simples. Fácil é ter uma chave que abre a porta de uma casa, colocar a chave no local certo, girar a chave, acionar a maçaneta, entrar. Viu? Fácil, nem precisa pesquisar no Google. Simples é querer te ver ao abrir a porta e propor um brinde com água vinda de outra fonte, bebida de outra sede. Umuarama, Sampa, Assuncion, Curitiba, onde? É fácil pensar em propostas, mas não é simples nem fácil se não puder te ver ao abrir a porta, não saber o que estás fazendo, ou aquilo que te apaixona, dona de ti, plena de mim, escolha arejada, como quem se apronta e se veste de simples, é quase uma forma de casar.

Ir pra casa precisa ser simples, ninguém volta pra casa porque é fácil. Não há casa fácil, mesmo (ou talvez principalmente) para quem vive só. Simples é um portal, um estágio, não um formato, é um estado. Uma casa não é casa porque me ou te pertence, mas porque pertencermos àquele espaço e suas desarrumações, linhas retas, poltronas, cães e lugar de fala, além da sala. O tamanho importa pouco. O onde pouco importa, as casas são todas do interior, nosso interior. O que vemos fora é feito da matéria que rima com o que temos dentro. Cada coisa em seu devido lugar ou em improváveis encontros entre o pano de prato e mil homens de mil filhos e a mulher de mil livros e alguns panos de prato. Não há como se despir disso, a vida ficaria nua e crua, área muito mais para Nelson Rodrigues e suas solidões diárias. Sou menos complexo, simplesmente sigo o que persigo, como ensinou Walter Franco: “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo“.

Não é fácil ter uma casa simples. Uma casa simples precisa de elementos não sujeitos à força corrosiva do tempo, já que tudo que é sólido se desmancha no ar, ensina o mestre do comunismo, esse mesmo tão desfeito em sua pretendida eternidade. Esqueça projetos, concreto à vista, cozinha. Essas coisas só te darão a aparência das coisas com as quais se parecem, não com algo que de fato seja de uso plural, único e perece. Use outros materiais, saia do caos se queres mesmo ter o teu lugar no cosmos em casa. Ouse, use misturas inéditas como tijolos e riso. Boletos e esquecimentos. Distração e aquecimento. Romantismo é bom, sirva com chá e torrada. Trabalho é essencial, trabalhar é bom como gol do Inter. Saber o que você não faria de jeito nenhum ajuda. Mas entender o que te mantém conflitando com o normal, isso sim leva longe. Uma casa, portanto, precisa de amor espontâneo, Nescau, fruta, chocolate, pão de queijo congelado, livro, cuidado, filmes, massa, mais livros, um lugar oficial para enrosco e diversos extra oficiais. Uma casa completa é repleta de conversa, papo furado (se diz isso ainda?), portais quânticos, olhares sagrados, encontros, desgaste, rotina, entendimento, o menos de aspereza possível. Isso deixamos lá fora, onde não há o simples como ligadura, o simples e suas belezas, o simples no sofisticado estágio da simplicidade.

Fincar estacada no simples é, como tudo, uma escolha. Abre-se mão, abre-se portões, se dá boas-vindas e boas idas, nada é estanque. Precisa ser construida de dentro pra fora, gerando o cheiro de chuva batendo na terra e o parir de sonhos capazes de transformar realidades. Escrevo o que vejo, descrevo o que penso, vivo o que te conto e não sei se tens vindo. Ainda assim, permaneço concatenando, pensando, fazendo votos, torcendo, negociando frustrações, estou à caminho de mim mesmo. É um encontro, ouço já, cheio de sons e poucas palavras, de entendimento e nenhum perdão, nenhum pecado, nada a dizer e tudo a declarar. Estou tão forte que olho o horizonte e digo “é meu”. Então surge o que me pertence e me pertence o senso, o norte, o denso, o reconcilhado, o regenerado, que me entregaste com teu amor. Não mais banido, nem naufragado, nem exilado ou esquecido. És casa. Simples assim.
O presente de hoje vem com Zélia e Faria. Dois amigos e uma casa pra cantar.