Sabiá, do Chico, foi estupidamente vaiada num desses festivais. É uma canção de alguém no exílio, banido e longe de casa. Na melodia suave de Jobin, o tom dolorido de uma alma proscrita. Quem se lembra dos generais, tantos anos depois? Não é incrível que um Sabiá resistisse ao silêncio imposto pelos impostores? Você quer ouvir? Convidei Elis. Quando essa mulher canta, todo passarinho para e silenciosamente ouve.
” A saudade dói como um barco que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais” (Chico)
A ilustração é de um artista que tem como primeiro nome Adão. É tudo o que sei dele, achei bonita a imagem que -de imediato- me levou para a mais bela tradução de saudade que conheço. A palavra é linda e bem poucas culturas são capazes de traduzir em letras este sentimento. Não é um “sinto sua falta” e tão pouco se refere a um vazio. Saudade é mais cruel do que sentir falta e não pode ser um vazio justamente porque nos preenche. Chico, que é o Chico, nos mostrou em “Pedaço de Mim” tudo o que a saudade devasta, chora, implora ou sorri. Saudade não é triste, é um pedaço como sugere o título da canção, o que torna Buarque de Hollanda um sujeito a ser visto, ouvido e dito buana, buana. Importante não confundir melancolia (mais reflexiva, como um pensamento numa cadeira de balanço) com saudade, uma anti-ponte, que nos reafirma o desligamento do que vivemos a partir de algo ou partilhamos em algum momento com alguém. Há quem sofra de saudade do cachorro, de um determinado tempo, dos Beatles ou do Médice. Mente quem diz que não tem saudade de nada. Não sabe, mas tem. Da infância, do jeito que ele ou ela sorriam, dos filhos pequenos no colo e deles grandes na escola. Saudade são as Mães da Praça de Maio, pedindo seus anjos em praça pública. Passou tanto tempo, mas quem se importa? Saudade se alimenta dos dias de falta. Saudade não é voltar no tempo. É saber que o tempo não volta. Os passeios naquela rua, o encontro entusiasmado, um casal de namorados, a conversa longa, o entendimento fácil, que saudade te acompanha? Uma dancinha, o jeitinho de menina, o futebol de rua, o frio na barriga na primeira vez de um tobagã, a cozinha de casa, a fumaça da lenha, um carrinho de rolimã. O primeiro prêmio, a bicicleta branca, uma vida franca é cheia de saudades porque segue, é inerente. A ilustração de Adão mostra um homem sem face, num barquinho frágil no meio do oceano. As cores não são nítidas e a falta do sol indica fim de tarde. É uma boa hora para sentir saudade.