Simples

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Andar de carro é algo que me surpreende. Você parado e a 60 por hora ao mesmo tempo, não é algo? O celular me impressiona também. Pra ser sincero, o telefone é de tirar o fôlego, qualquer telefone, ainda mais se você o usa para a incrível aventura de falar com alguém. Lanterna no particular (e lâmpadas em geral, além de bicicletas especificamente) geram em mim um misto de surpresa, incredulidade e uga uga uga.

Estive no Chile, dia desses e andei no metrô deles. Citei o Chile pra me exibir, não há outra função para a frase. Já o metrô foi pra dizer que essa invenção é arrepiante, como o ônibus, a escada rolante e o arroz doce. Junte a isso o Netflix ou o Spotify e teremos um filósofo de boca aberta diante da inventividade humana.

Eu, que li “O Capital” aos 14, não entendo a bateria de lítio, a torradeira, a geladeira, a panela de pressão e o sorvete de flocos. Na lista das mil maravilhas esquecidas ainda colocaria cofres, cadeados e relógios automáticos. Para registro: palito de fósforo e a caneta BIC também me deixam besta.

O cadarço, que grande passo. Sucrilhos, óculos, clips, isqueiro, prendedor de roupa, fogo, foto, forno. O avião, senhor, como é que isso sai do chão? A buzina, o elevador, o submarino (tanto a coisa que afunda quanto o site de compras onde você, inclusive, pode adquirir um submarino), o whatsAPP, o apartamento, o Durex, o Merthiolate que não arde, a arte, o fim de tarde, o fone de ouvido (com e sem fio), o wi-fi, o carimbo e o cortador de grama.

Fico pasmo com Neosaldina, TV e banho quente. Cama, Nescau, anzol, inocência, piada, clemência, beleza, perdão. Tenho a sensação que vivo cercado de pequenos milagres, de eventos que nos mantém vivos e não vemos, como o ar. De momentos que nos escapam, surpresas como a chuva, o guarda chuva, terra molhada e saudade de gente. Tocamos o impossível todos os dias, estamos diante do imponderável mundo das escovas de dentes, somos uma raça de magos, de mágicos, inventores de viagens em dimensões onde óculos não existem para a minha tristeza, os acho o máximo.

De minha parte, fico maravilhado com tanto e com pouco. Você sabia que se somar 9 vezes na sua máquina de calcular os números 1, 2, 3,4, 5, 6, 7 e 9 o resultado é um monte de 1? Não sei de você, acho tudo muito curioso, muito misterioso, muito fantástico.

 

Elas, as coisas

as mesmas coisas de sempre

Fui ao shopping. E ali percebi um desfile de iguais, inexpressivas e hipnotizadas mulheres. Todas vestem a mesma coisa, caminham da mesma forma, usam a mesma bolsa, do mesmo lado do corpo, comem no mesmo restaurante, onde desfilam o mesmo penteado, o mesmo rosto sem rugas ou expressão, obtidos (com certificado) no mesmo cirurgião. Até quando e até onde vai isso, me pergunto. Não há uma desigualdade, uma assimetria, um objeto sem a assinatura de alguém, o mesmo alguém que assina tudo, o sorriso é o padrão rede social, têm o mesmo gosto, o mesmo manequim mine-PP, o mesmo shortinho minúsculo, mostram o mesmo gominho traseiro, a mesma carteira de dinheiro e, parece, caminham para o mesmo destino, a mesma casa, no mesmo bairro, das mesmas cidades, vivendo a mesma vida e morrendo das mesmas mesmices.  Como o tempo fez isso a vocês? Depois dos homens, da moda, o emprego, a dupla jornada, o amigo ausente, o filho doente, o ir sozinha na escola, é presidente ou presidenta? As perguntas idiotas, as exigências do caminho, o salto agulha. Depois dos mal tratos todos, de gostar errado da pessoa certa, de ser ciência, cientista e descoberta, depois de liberadas para uma nova gaiola dourada, depois da asa delta, de se transformar em mulher maçã, pera ou melancia, de fingirem o gozo ou a alegria, depois de todos os santos, de sumirem do mapa, de exigirem uma atitude feminina num mundo terno e gravata, depois vocês ainda vão iguaizinhas ao shopping para agradar quem mesmo? Mal dormidas, bem acordadas, bem resolvidas, mal humoradas, as mesmas nos mesmo carros, com os mesmos planos, os mesmos panos por cima. A mesma falta de ideia de si mesmas, à mercê de todo tipo de elemento. A mesma coisa, coisa alguma, muitas coisas, coisas sem muita vida por dentro.

Discurso

Imagem

Neste momento onde o pais se expõe aos seus eternos discrutínios, notória é sua exprecência e precisamos agir. Não seremos os superlativos adjetivados, resistiremos quanto se possa às reticentes bossas desses geradores de gírias impériclas e diria mais, se não dissesse menos, que por hora é o que temos. Interrogações varzelian nossos campos e palavras nos faltam, além de evitarem os inevitáveis abundamentos sofísticos, elísticos e parece que o Inter ganhou. Levantaremos velas, mares e enfrentaremos irrefreados de tudo um pouco, ainda que não se saiba a exata medida dos quadris que perfilados sugerem um movimento, mas a sugestão não será aceita, alguém dirá bobagens e um sujeito chamado Olavo vai baixar a mão no baixinho de nome Sinval, uma loucura. Azeitemos sandubismos mortadecímacos, mas não passarão os viveres retintos, instrumento de tal valia que substituiria a falácia palavrínica, houvesse algum sentido nessa mão única. Pasmem, paspalhos. Mamem, bebês. Corram de tudo um pouco, é chegada a hora. E tenho dito. 

 

Andam dizendo

” Aversão é uma versão piorada pelo autor ” (Dicodallma. Ou uma versão)

Estão afirmando, não é conversa. Você está gordo e acabado, que foi visto com um bando de drogados, que o mundo acaba depois de amanhã. Saiu  no NY Times, o ataque é eminente, que o o rei do Gongo vive doente, que a madrinha da bateria namora um bombeiro, que a amazônia foi vendida pra Suíça e agora os Xanrantintums são neutros. Os gays vão tomar o poder, inventaram a Ferrari sustentável e a vaselina em pó. Andam dizendo que daqui pra frente, só morrendo. Seu diploma não vale nada, o futuro foi ontem, King Kong virou um rato, na Veja só publicam os fatos. Os comentários são assustadores, terríveis, incríveis, impublicáveis. Só ouviremos Michel Teló. Depois, voltaremos ao cavalinho pocotó. Virou uma loucura, melhor viver em Honduras, aprender inglês na China, vende-se casa na praia, os amores estão em coma, não fale do Papa se você quiser ir a Roma, roer o gato com o Rei dos patos. Andam comentando com ares de é isso aí que março virá antes de fevereiro, as 14 casas das sombras e a alma dos corpos farão passeata, você foi visto fugindo de si mesmo, junto com seu terno e separado da sua gravata. Cuidado, não declame, não declare, sustente o silêncio e cale as vozes. Tudo virou videogame, ninguém é real, o sólido se desmancha e aquela mancha, não sei não. Foi publicado sabe Deus onde que somos todos de uma linhagem de condes, que você tem éguas no exterior e água nos joelhos. E que manca, desmente juramentos e ronca como um jumento. Foi insignifcante, não quer dizer nada, a obra está parada, é um absurdo ou culpa do governo. Você sofre dos nervos, tem epilepsia, trabalha para a CIA, abandonou seus filhos na África ou na novela das 8. Gugu liberato é a sua cara, Hebe Camargo, seu espírito. E seu espirro ninguém suporta. Feche a porta. Não saia de casa. Sua versão vai dar em nada e ainda vão publicar no Pravda.

O fim das coisas

As coisas acabam. Há, parece, um objetivo nisso, talvez a vinda de novas coisas que acabam. Jamais acreditei nas coisas que acabam e  trazem consigo novas coisas que acabam. Nisso sou um seguidor de Mikhail Lomonosov. Ele sacou que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Quem entendeu a importância da descoberta foi Lavoisier. Portanto, há quem tenha a informação e aqueles que transformam isso em conhecimento. Concordo se você disser que devo me sentir só por crer nas coisas que não acabam. Faço isso, mas com um data vênia: jamais quis lhe convencer a acreditar nas coisas que não acabam. Na maior parte do tempo e mesmo nesse exato momento, qual é o fim das coisas que acabam? Elas deixam de existir quando acabam ou se transformam, as reciclamos enquanto buscamos informações surpreendentes no Google? Outro dia vi num programa de TV que cientistas finalmente descobriram uma pírula. Não é, ainda, a da eterna juventude. Por agora apenas retarda o envelhecimento, engana as células, ilude o célebro, permite que sigamos vivos (não obrigatoriamente altivos) até uns 120 anos. Perguntaram ao Niemayer se ele tomaria a pírula da juventude eterna. Hum?, perguntou. Já não ouve bem o velho arquiteto. Tenho dúvidas se algum dia escutou alguém, teimoso que é. Sei que defendeu com unhas e dentes seu conceito de forma e função. Projetou mundo à fora obras que são uma poesia aos olhos, apesar de vocação pouca para uso diário. Arcado (mas não triste) diante da passagem que se avizinha, o bom comunista declarou que não tomaria a pírula da juventude. O que ele não disse é  mais revelador, trata-se de uma pergunta. Se as coisas acabam, ser eternamente jovem pra que? Visitamos os monumentos, as quedas d’água, as ilhas gregas, os túmulos dos faraós e as pirâmides. Vamos a Machu Pichu, andamos pelos Caminhos de Santiago, Niágara, Capela Sistina, gostamos de nos mover entre as coisas que resistem por sabemos que resistentes ou não, as coisas acabam. O fim das coisas, desde o início das coisas, é que cada coisa tem um fim. O fim das coisas que acabam talvez seja a de nos chamar atenção para o que há de perene, interminável, eterno. Um solo de fagote, um foguete que deixando o solo revela a sede de companhia que temos, tanto que procuramos vida em outros lugares. De tanto que nos sentimos sós, temerosos de detectar em nós o gem das coisas que acabam. E tremendo, tomamos drinks inusitados, fugindo do velho futuro para fingir num passado novinho em folha. Há milhares de anos, os Sufis falavam de um Deus presença, um Ser para o qual não havia distâncias. Que vivíamos em vãos da nossa própria história. Que insistíamos em existir em sótãos, fazendo a partir daquilo nossa ideia de casa. As coisas acabam por serem coisas, seu fim é dar passagem a mais coisas que acabam. Mas você não é uma reunião caótica de átomos, células, pele, osso e algum recheio. Entre o pouco que vemos e a maior parte que ignoramos, há algo no meio. Não o paraíso culpado, apostólico e romano. Não a desistência covarde dos suicidas, nem a vida conformada das manadas. É o nosso encontro com o outro, essa batucada universal de sons, luzes e danças. Não é um terremoto. É o povo sobrevivente do Haiti cantando em honra aos seus mortos. Há em ti algo que toca a canção essencial, algo que te chama sempre, uma chama que mais do que aquecer, te aproxima desse espaço que é feliz por nos ver contentes. Quando Deus disse “faça-se a luz”, Ele não falava para as coisas que acabam. Ele falava da gente.