Silêncio, alguns dos nossos se perderam. Estavam aqui agora mesmo, falavam nossa lingua, riam conosco de piadas que entendíamos, compreendíamos gestos comuns e éramos tantos, todos, um. Silêncio, vivemos um tempo noturno. Nós, que já enfrentamos coturnos e fardas altas horas da madrugada, precisamos impedir a turma do tudo ou nada. A que transforma ladrão em prisioneiro, roubo em companheiro e que contrata incendiário como bombeiro. Estão por toda parte essa gente. Se sentem cada dia mais à vontade, têm argumentos razoáveis e expõem números, crescimentos, estatísticas. Repetem frases místicas como jamais perder a ternura, mesmo tendo que apoiar ditaduras. Que os deuses nos protejam, que pelo menos nos vejam e nos salvem de enchentes, da falta de água, do inverno rigoroso, do verão arrasador, do prazer, da dor, da copa, da falta de sopa, da crise do pão. Os comedores da esperança têm uma fome que impressiona. Nos olham em 3D com seus óculos escurecidos e seu apetite enfurecido é multinacional. Mas não nos venceram antes, não venceram hoje e não vencerão depois. Mesmo que seja preciso enfrentar os todos os textos do Bial, a programação global, o Gugú, os programas religiosos, a reprise dos trapalhões, o super cine, as ilusões, não importa. Ainda vamos aprender (ainda que da forma mais dura), que o Brasil não é só um PIB, a soma das coisas que somos capazes de produzir. Precisamos compreender que somos a soma das coisas que não queremos mais, para sempre ou para nunca mais. Que fomos, somos e seremos as escolhas que fazemos, as pessoas que elegemos, tudo o que sonhamos e o que somos capazes de despertar. Talvez a gente esteja à deriva, andando em círculos, procurando à esmo. Mas não esqueça: a vida reserva as melhores surpresas para cada pessoa e cada povo que não abre mão de si mesmo.
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O amor tem raízes

Todo mundo devia amar uma árvore. Um cachorro, um gato, um chiuaua é mais fácil, acho. Uma árvore de estimação não ronrona, não se esconde embaixo do sofá nem abana o rabo. Mas te ensina a apreciar o tempo e, mais que tudo, te lembra da infância em seus galhos que sustentam lembranças do pedaço mais inocente da existência. Tenho sorte: há duas árvores em minha vida. A Japa dava “uvas japonesas”, delícias entre o doce e o nem tanto assim. Ela ostentava um galho mais forte, cabiam dois ou três moleques ali, confortavelmente instalados e normalmente bem suados. Era baixinha, mas encarou ventos de mais de 100 por hora, me protegeu do sol, me escondeu, me tornou mais alto e deixou raízes de coisas boas, lembranças entre o doce e o mais doce ainda. A árvore da filosofia aconteceu por acaso. Estava voltando de um treino de bicicleta, super cansado e extremamente feliz, havia obtido o índice necessário para a participação em um corrida que nem sei mais qual foi. Então a vi, a terceira à direita de quem vai. Tem uma altura boa e recebe como poucas, com seu tronco que parece feito para amparar as costas. Duas raízes saem da terra e formam um descanso inigualável para os braços. Ali estive feliz pelo amor aportado e triste pelo amor que segue suas viagens. Entre livros e cigarros, silêncios e canções, minha árvore acompanha essa alma intrigada e curiosa por todo tipo de vida que há. Retirou-me tantas dores e acalmou tempestades de tamanhos diversos apenas estando aonde estava, a terceira árvore à direita. Passo por ela às vezes e nos sabemos um do outro, confidentes de florestas dos sentidos que damos à vida que vemos passar, eu a a árvore que me acompanha. Nas manhãs de domingo, nos fins de tarde entre segunda e sábado, ela está lá e tem a pouca eloquência dos sábios, o calar dos prudentes, as raízes profundas do sempre.