Infimnito

” 8 é o infinito de pé “

Não existem tempos amenos se tais serenidades não resistam a trovões, chuvas e mesmo às tempestades. Não existem tempos pacíficos construídos aos gritos, nem acordos dignos assinados sob força bruta e desumanizada.

Tempo é uma passagem. Seu trabalho lapida montanhas e vidas para as encaixar às novidades que rascunhamos e que se aperfeiçoam na realidade. Algo não dura por resistir ao tempo, mas por se saber instável, sujeito a retoques e, mesmo assim, tudo tem dois fins. Um fim que encerra qualquer a causa, rendição incondicional, é o término. E outro, o fim que se revela desejo, missão, propósito, esse é sempre um início. Observa como palavra fim nos convida a possibilidades antagônicas? Saber distinguir o tranquilo do distraído, a inocência da ingenuidade, o fim do fim é sempre um desafio. 

Vi alguns filmes sobre ilhas habitadas por combatentes alucinados. Gente que não sabia que uma determinada guerra havia terminado e, por isso, cumpria a missão de permanecer atirando à esmo e lidando com inimigos imaginários. É irreal, já que se trata de um roteiro cujo fim é o entretenimento. Mas no fim do filme, a metáfora se mostra concreta e viva. Qual batalha estamos enfrentando em nossas ilhotas distantes e silenciosas? Continuaremos lá indefinidamente? O que faremos após a vitória? Acreditamos na luta? Se a resposta for sim, queremos avançar pela causa? Quais são as estratégias, que resultados esperamos? Até que ponto é sim, qual é a fronteira do fim? 

Estou exausto. E tudo que penso é voltar pra casa e te encontrar amena nessa troca intensa de afeto cujo fim é a felicidade mútua, o convívio aberto e o crescimento do que há de amável em nós. ***

prosa

Um boa conversa é uma experiência fora do corpo, almas são trocadas e tem cheiro de grama cortada, o que é muito bom. Gente que se toca conversando não precisa dizer nada. Se convergem, se experimentam, se desentendem em diferenças e se compreendem baseados na confiança do diverso, do converso e do adverso. Sim, acredito que vivemos muitas encarnações, que nossas conversas são ancestrais. Nem precisa ser conversa funda e para ser sincero, nem carece de fala às vezes. Sentir-se escutado e ser capaz de ouvir, é disso que nascem as conversações. ´É uma capacidade rara, isso de “deixa eu te escutar o que vc diz e o que você cala”. Fluindo, nascem os entendimentos, não no sentido de acordos, mas pela permuta de verdades pessoais, desejos soterrados, construções a serem feitas, dorzinhas e dorzonas acolhidas e reconduzidas pelo mútuo afeto. Conversar é dizer da aventura de retirar das refeições uns goles de água e incluir agrião, tomate, ovo cozido, hortelã (fica bom, mas não exagera), cebola e pimenta, mais sal rosa. Novidades bestas, “nossa, me deu um sono de tarde”. Novas atitudes, planos, projetos, sobre o que nos acontece: viver é uma conversa longa e mudar é uma longa conversa.

Eu sempre digo a todos os times de criação que dirijo que as marcas precisam conversar, não convencer. Mais do que propósito, storytelling, slogans, co-criação com o público, persona e todo o glossário em inglês, o que sempre foi diferencial de qualquer campanha publicitária, programas políticos, eventos experenciais, palestras, discursos, treinamentos ou eu e você é a capacidade não de ouvir, mas de escutar. Não de falar, mas de entregar verdades. Sim, há boas verdades em todo produto, tirando cigarro e governos, talvez. Quer ver um redator convencional em apuros? Peça que ele escreva na primeira pessoa. Já presenciei atendimentos talentosos bugarem diante da pergunta “do que o seu cliente precisa?”. Não o que ele quer. Não onde pretende chegar. Não o público alvo dele, mas o que ele precisa. Isso só se obtém com conversas boas, algumas difíceis, muitas estranhas, todas importantes.

Conversas não são trocas verbais. Fosse assim, os mudos ou surdos estariam perdidos como experiência de vida. Um das conversas mais intrigantes que já tive notícia aconteceu entre a esposa de um soldado americano e o vietnamita que o matou em combate. Eles sentavam um na frente do outro, se olhavam profundamente em silêncio absoluto e depois iam embora, até que um dia alguém falou “eu nos perdoo” e seguiram seus caminhos.

Para ter boas conversas, que grande lembrança a boa e velha canção de Raul (só dele, o Paulo Coelho não estava nessa), Metamorfose Ambulante. Porque, afinal, somos gradiência sobre “o que eu nem sei quem sou“. Mesmo assim e por conta disso, o bom baiano afirmava “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. O que mais me impressiona na música grifei ali em cima. Não somos os mesmos, sabemos pouco de nós, é preciso conversar conosco sobre quem nem sei quem sou e milhões estão desconversando sobre isso. A canção fez um brutal sucesso na época e até hoje é lembrada, esse tempão depois da morte do maluco beleza. E porque? Por que é uma conversa verdadeira. Afinal, de conversa fiada o É o Tcham está cheio.

Uma conversa real é capaz de nos mover um em direção ao outro. Nos aproximar em laços invisíveis, nos transformar em boas lembranças durante o dia, em boa noite feliz. Quando almas se compartilham, se somam, se multiplicam, diminuem as distâncias, dobram em seus afetos e dividem os seus fardos. Amar é uma conversa. E estamos conversados.

Tradução

Sempre me intriga as conversas que temos. É como se elas fossem atalhos luxuosos para o entendimento, algo sempre tão urgente para n´ós e subdimensionado para tanta gente. Continuamente me surpreendo como escutadores aceitam e são mantidos nesse papel, como se suas vidas fossem planícies encantadas e seus estados de alma cantassem Don’t worry o dia inteiro. Escutadores perdem seu direito à lugar de fala, do desabafo puro e simples, aquela sensação de ahuhhhfffss depois de dividir o peso das horas com alguém de confiança.

Todo escutador contumaz parece mandar um recado ao mundo, o de não precisar falar, está tudo bem. E se aquietam por dentro. Alguns deixam de ter sono, incapazes que se tornam de sonhar. Talvez por isso deem tanta importância aos gestos que expressam seus desejos, precisam ser adivinhados, vistos, olhados, escutados naquilo que isso de significa de ´íntimo e de intimidade. Se não dispõem desse espaço, duvidam de aproximações reais, daquelas que tiram o fôlego porque são fala e escuta ao mesmo tempo. Então passam a tentar controles impossíveis, arrumam a mesa e retiram a louça, aquecem o chá, viram uma solidão bem arrumada, solícita e perfeitamente enquadrada nos sonhos alheios.

Penso que o que descrevo é a pior forma de exílio, quando você passa a ser ex-você mesmo. E escuta a empregada, do filho, marido, esposa, namorada, colégio, trabalho, dos prazos, da praia, da barriga, da briga, da reconciliação, do perdão, da dívida, dos créditos, do futuro, dos planos, do chefe, do amor. Acontece que toda fala é essencial porque nos humaniza. Servir de ouvinte, apenas, tira nuances importantes de uma conversa, algo que na base é troca de experiências e experimentações. Retire isso de um diálogo e estaremos falando de desentendimento, menos valia e uma certa dose de frustração.

Encontros entre iguais são uma roda de conversa. Permutamos então bobagens diversas, nossos caminhos secretos, confiamos sentimentos, discordamos, acendemos fogueiras aos afetos, contamos com o outro e para o outro o que somos naquele momento, o que nos falta e do que estamos plenos.

Escutar nos traduz. Falar nos representa. Declarar nos reproduz. Agir nos orienta. Nós, as pessoas, só existimos sem os nós que nos prendam. Nos somos melhores sem nós. E o que nos desata é a troca de uma boa conversa.

Recebi alguns pedidos a respeito da minha opinião sobre a letra de Mistérios, do Renato Teixeira. Vou dizer o que ela me conta. Se está certo ou não, quem sou eu? Renato é uma coisa de bom. Tenho ouvido muito sua obra nesses dias e encontro respostas em muitas das suas canções, como Mistério.

O poeta caipira fala que “o maior mistérios é ver mistérios”, como se não entendesse muito o motivo para tanta complexidade que observa no pensamento da nossa raça. Isso é reforçado pelo “ai de mim senhora natureza humana”, como quem lamenta tamanha vocação para o complicado.

O músico não diz que “eles” são assim. Reconhece que ele mesmo tem dificuldade no assunto quando mostra que gostaria de “olhar as coisas como são, quem dera”. E termina o verso com a continuação de um do desejo de “apreciar o simples que de tudo emana”, transformando a simplicidade na essência de todas as coisas.

No refrão (Nem tanto pelo encanto da palavra, mas pela beleza de se ter a fala), a profundidade do artista permanece intacta. No poema, a palavra é reconhecida como algo encantador, brilhante, inestimável. Mas falar, ah falar, poder se comunicar com o outro, isso é o simples do belo.

É por isso que te digo sempre. É um dizer não perfeito, mas é o que tenho a declarar.

Bom findi

Tem árvore que vai ganhar abraço. (e uns beijinhos)

Sobre palavras e silêncios, preciso te contar que as minhas precisam ser extintas se não forem espaço, abraço, sol ou aconchego. É isso que tenho a dizer porque é o que existe em mim para mostrar, confirmar ou descrever. Se chegam tortas, borradas, estranhas, cobrantes ou insanas não servem nem ao tempo nem ao portal de acesso específico, exclusivo e intransferível que está sempre em construção. Palavras cortantes, acusantes, diminuidoras ou pedintes não são bem-vindas. Vale o mesmo para aquelas que no espaço de paz que visitamos, descrevam qualquer outro artigo que não o bem e o bom contigo. Essas devem seguir para o exílio até sintam e sentindo sejam amor, amizade, afeto, riso, chocolate, bicicleta, gol do Inter, instante, arroz com siri, café de manhã, escurinho, cinema, pipoca, espaço de conversa, fé e desejo. Que o silêncio seja confiança, força, pensamento, crescimento, torcida. Que esteja presença, bolo de fubá, sabiá, beija-flor, árvore de estimação, alguma solidão, um parque, uma vista pra brisa e caminhar na fronteira do mar com a costa. Isso posto, não há espaço de dúvida escrita, dita ou silenciada. Que nossos ditos ou calados em todo momento sejam a dança suave do encontro bom da alma amante com a alma amada.

O presente de hoje é uma lembrancinha de talentos enormes e Antunes. De amores de Montes e carinhos do Carlinhos. Se alguém gostar, o dia melhora.

( )

Alguns silêncios são constrangedores, outros iluminados. Eloquentes, silêncios são fluentes em todas as línguas. Alguns entram para a sociedade secreta dos dialetos, ou viajam escondidos em textos, canções, barulhinhos, sussurros, frestas, arestas, vãos, poesias ou diálogos imaginários.

Ouçam os silêncios exilados dos seus significados. Eles entristecem pelo que não dizem, se tornam mudos, partem calados e não se transformam em tudo que poderiam ter florescido. Tudo que seriam, caso fossem ditos. Tudo que poderiam ser entoados quando chegasse seu tempo de sinfonia.

Silêncios são um espaço na pauta, um hiato, algo que se completa a partir de cada repertório. Também se disfarçam de pausa. Acontecem um momento antes do pouso de uma ave, do avião, quando abro uma pequena bolsa, o que produz um determinado som. O tuc, tuc, tuc, tuc da minha máquina de escrever. O tic tic tic tic das teclas. O chiado do mouse ou no momento que antecede uma prece pelo amor que nasceu feliz para viver bem-vindo.

Há sons docemente despertados da quietude onde hibernam. A porta se abrindo, o alarido da cebola se encontrando com o quente da panela, o canto de onde descrevo o que se passa, a introdução de Enluarada, as mãos tocando um livro, o zunido de um motor poderoso. Gosto de ouvir Elis Regina e seus silêncios, quando canta “O que tinha que ser” e me encanta o ruído do plástico que envolve os quindins. Há um agradecimento no chuá marítimo, no zunir das tempestades, na calmaria dos afetos compreendidos em si mesmos e falando o quanto quiser. É ali que a vida se banha e silenciosamente sorri pra você.  

A respeito do tempo

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O absurdo que viraliza, a bolsa que oscila, o saldo do seu Visa. O Bolsonaro, o próximo carro, o espanto, os cursos de Esperanto, o sossego, a continuação de O Segredo, o último Kung Fu Panda, o próximo show do Wando. O escândalo da hora, a hora, o tempo, a parada militar, a primavera árabe, Lula e todos os ídolos de araque, o casual sorridente e o sisudo de fraque.

Aquele sujeito esquisito, a lembrança dos gols do Zico, o preço do palmito, a poesia ruim, as polêmicas com o Chico, zeus e os deuses infinitos. O bem maldito e o mal bem dito, os reis, os Maias, o comprimento das saias, as notas oficiais, os combos, os hashtags e os heróis da Marvel. Esquecidos ilustres, os lustres do Titanic, os sotaques, as meninas, os homens de Marte e as mulheres do interior de Minas, os tiques, o carnê do IPTU, o samba de uma nota só.

O presente, o futuro, os bifes bem passados, os amantes, os abandonados, os farsantes, a taxa Selic, a minha Montblanc, os carinhos da manhã e as conclusões bestas, tipo a maioria das Bics perderam as tampinhas azuis. Logins, senhas, redes, conta da luz. Ultrajes, fronteiras, carro do ano, amores partidos, os mocinhos, os bandidos, as ações da oi e o selo de qualidade da Friboi. Arte, bondade, emprego, verdade, ego, usinas, aviões e sossego. As latas, o luto, a esquerda os reaças. Tudo vai, tudo cai, tudo passa.

 

Im((par))

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O vale tudo não vale nada

ImagemEles tinham um ensinamento, um valor, um conhecimento pra passar. Ou – vá lá – pelo menos o Bruce Lee era bonitinho. Sou do tempo do Ted Boy Marino, entendo que ninguém saiba do que estou falando, já que se trata de alguém dos anos 70, época onde tudo foi inventado. Eu devo ser o último representante vivo (ou que ainda sabe o próprio nome) da safra de 59. Ted Boy era o queridinho do Brasil, um astro da Luta Livre, morreu há um tempo e chegou a fazer parte do elenco de apoio dos Trapalhões, quando eram engraçados. Meu filho me cutuca e diz que ninguém tem ideia do que falo. Pergunto se ele acha que não vão se lembrar de quando Os Trapalhões foram engraçados. Ele me diz que não vão se lembrar dos Trapalhões, que devo ser o único que viu e que achou graça naquilo. Bom, eu acho graça em programa religioso, mas isso é história pra outro dia. Às vezes, não falar é consentir e não quero flertar com a estupidez: podemos nos apaixonar, ter filhos, presidir o Brasil, enfim, é um perigo.

Que dois homens fortes troquem socos até que um caia ensanguentado no chão, ok, vivemos tempos difíceis. Que se ofendam antes, morram depois e sejam uma aberração durante, isso é problema deles. Que façam cara de mau um pro outro, como se ninguém soubesse que se trata de representação de atores ruins, isso é do jogo, um jogo de cenas ruins, tristes, sem significado e que apenas comprova a nossa imensa capacidade de produzir idiotices. Que no final de tudo ainda se abracem suados, exaustos, feridos, deformados, transtornados, transformados em bichos, tudo isso é com eles. Por que não homens contra tigres? Por que não anões bezuntados contra os gaviões da fiel? Por que petistas contra os juízes do supremo ou uma luta entre irmãos siameses? E eu, que achava que a mulher barbuda era o máximo que chegaríamos, percebo que nossa sede de circo é infindável e que além de um gosto pelo mal, temos um imenso mau gosto. Porque ninguém sai inteiro daquilo, nem lutadores nem plateia, nem juízes e médicos, estes uma ironia neste tipo de evento. E no entanto, o Galvão os chama de “Os Gladiadores do 3º Milênio”, eles dão entrevistas dizendo que são profissionais, que lutam em honra da família, dos filhos e dos amigos, fazem sinais orientais que pretensamente indicam reverência ou humildade diante daquilo que seria um local sagrado, mas que na verdade é um ringue que recebe dois caras que trocam sopapos por dinheiro.

Querem proibir a transmissão dessas lutas. Eu sou contra qualquer interferência do legislativo, do executivo ou do Anderson Silva no meu controle remoto: deu um trabalho danado aprender a lidar com ele, então não se preocupem que a gente sabe trocar de canal. Por outro lado, não sou contra a proibição das lutas em si. Elas nada ensinam, nada acrescentam e nada são a não ser rinhas de galos sem galos. Não fosse pouco, ainda têm a desvantagem de ouvirmos um sujeito com o olho pendurado, um pedaço do fígado aparecendo e sem uma das narinas dizendo que deu “o melhor de si, urrruuú Ezequiel, eu te falei!”. E agora, preenchendo a cota de empreendedores da porrada, nossos lutadores mais velhos estão voltando dos Estados Unidos. Falam um inglês engraçado, um português medonho e uma língua que todo mundo entende: dinheiro. A nível de brasil, eles querem difundir o esporte, assim enquanto MMA, uma proposta de integração, entende, assim, essa coisa tipo entende, certo? Eles querem ensinar MMA para crianças para que elas cresçam saudáveis,aprendendo todos os profundos ensinamentos desse esporte, como a ética do supercílio arrebentado com o cotovelo ou a moral de não bater no amiguinho  se ele estiver morto.  Por mim, não. Preciso que os pequenos lembrem das coisas, saibam quem são e entendam a vida como a expressão maior do entendimento, do amor e da conversa como ponte entre diferenças. Quem ganha a vida na pancada termina obrigatoriamente como o Ted Boy Marino: alguém que ninguém sabe quem foi.

Silêncio

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Falamos demais, enchemos a vida de palavras, devíamos poupa-la. Que lavra é essa, que pressa estranha, cadê o freio, do que estamos mesmo falando? Sobre o preço do pepino, se é genuína a prisão do Genuíno, sobre o tempo, se teremos Natal no pernil e, importantíssimo, se o Lulu Santos deveria mesmo continuar no The Voice Brazil. Falamos muito sobre tantos, sobre tudo, nos sobressaltamos. Você já reparou que tem gente que ao desligar o telefone termina a conversa dizendo “nos falamos”? Há uma enorme demanda por opinião, é o que dizem por aí. Especialistas em sapatos de bico fino, pós graduados em poesia boliviana, doutores em esperanto, mestres por todos os cantos que falam, exprimem, traduzem, induzem o que devemos concluir, pensar e sentir. Parece ser uma operação de um Bope comportamental, criado especialmente exterminar qualquer possibilidade se você permanecer original ou, pelo menos, de possuir seu próprio pensamento. O fato é que temos muita malandragem e pouco Capitão Nascimento. Na dúvida, se fala, quando no fundo o que cala é mais substancial. Manchetes, terapias, videntes, colunistas, o Jabor, então, da onde ele tira tanta opinião?  Há uma falação que nos mantém inquietos. O novo lançamento, a cor do momento, a tendência, o que vem forte na estação, que tipo de margarina passar no pão, o que dizer para os filhos e dúvidas das dúvidas: leito ou mel no sucrilhos?  O que colocar na mesa, quem será a nova globeleza, a última novela, o próximo destino e -assunto dos assuntos- se o irmão da Sandi é mesmo um menino. O verdadeiro amor, a descoberta de um falso Paraguay, a mulher certa, um homem atrapalhado, o velho continente, o novo chinelo e se finalmente a Ferrari provou que Felipe não é melhor do que Barichello.  Por mim, chega, por mim, basta às palavras malditas, aquelas que existem porque vaiam. Não consigo mais ouvir o óbvio, a louvação, a falsa discussão, o argumento desconexo, e -sempre isso- ver na capa da Claudia tudo o que eu queria saber sobre sexo. Pelo silêncio criativo, pelo crivo, azar se ficar esquisito, que bom se achar bonito. Pelo senso particular, pelo bem geral da nação e pelo pensamento não declarado, vou usar mais o meu direito de ficar calado. 

Medo

O maior segredo do medo é que ele não serve pra nada. Se alimenta de sombra e de criaturas da areia, lendas contadas sob luzez de lanterna e barracas improvisadas.

[ O maior segredo do me

do é que ele não serve pra nada. Se alimenta de sombras e de criaturas da areia, lendas contadas sob luze de lanterna e barracas improvisadas ]

Olhos arregalados, respiração suspensa, coração parado. E assim, congelados de medos, ouvimos melodias descompassadas, correntes se arrastam na parte de cima da casa, as janelas batem e o vento é gelado. Tenho medo de cavalos, são bichos grandes. Manadas de elefantes e de rinocerontes, além de todos os outros mastodontes. Cobras não gosto. Baratas me causam asco, o mesmo acontece com ratos. Mas medo de Saci Pererê, como ter? O carinha possui uma perna só e ainda por cima fuma. E mula sem cabeça, coitada? Deve se bater tanto entre as árvores enquanto corre de madrugada. Fantasma da meia noite, que emprego medonho. Assusta quem nesse horário de sonhos?

Tenho medos mais concretos, como receber uma ligação de alguém que trabalhe com marketing direto. Medo não me tira o sono, a não ser que me sinta em estado de abandono. Medo é um cão cego te servindo de guia, serventia zero, proteção nenhuma, morderá a mão que lhe pede orientação. Ter medo é pedir companhia para a solidão.

Tive medo de água por um longo tempo. Disso o afeto me curou. Ainda exige um esforço de confiança pegar a barca que une dois pedaços de terra repartidos pelo mar. Vou de olhos fechados, como se assim não houvesse um oceano abaixo de mim. Pensando bem, vivemos a milhares de quilômetros por hora, confiando num piloto automático, um maestro invisível. Ultrapassamos asteróides, dependemos de humores solares, ninguém nunca sabe quando haverá um terremoto, um mar revolto, se vai chover e por quanto tempo. – É o El Ninho, dizem os cientistas. Não quero saber quem é, quero saber porque. Acontece isso em função do encontro das águas calmas com correntes mais nervosas e quentes. Se sabem tanto, por que não avisam dias antes?  O ponto é que vivemos cercados de perigos e nós mesmos (como raça) não somos exatamente um bando de escoteiros. Os bichos preguiça, as tartarugas do casco mole, a flora de um modo geral e os pobres de um modo particular que o digam.

Atacamos tanto pelos medos que temos. E tememos até as coisas que sabemos que vai acontecer, as controláveis. Você já reparou que dizemos “se eu morrer”? Como “se”? Não há cláusula nesse contrato. Vamos bater as botas, falar com Deus, ouvir o chefe, jogar no Santos, ver a grama pela raiz, ir dessa pra melhor, subir um andar, falar com as almas. Há milhares de escapismos para morte, menos não morrer. Não há condicional. No entanto, batemos 3 vezes na madeira sempre que o assunto surge. Talvez não seja da idade, da morte ou das perdas que tenhamos medo de fato. Possivelmente nos apavore mais do que assombração é o aparente descontrole disso. Um cara legal morre e o Maluf lá, firme. Qual é o critério? Talvez os fantasmas de uma vida medíocre sejam os verdadeiros motivadores desse pavor coletivo por tantas coisas.

Catalogamos medos, dando a isso o nome de “Síndrome”. E se conseguimos  catalogar de algum modo a desorientação geral, pronto, ufa, melhor assim. Quando alguém não se sente seguro nem dentro dele mesmo, chamamos isso de “Síndrome do Pânico” e estamos conversados. O problema é que não estamos conversados. O problema é justo esse: não temos conversado. O problema é exatamente aqui: não se conversa sobre isso, nem sobre aquilo, nem sobre coisa alguma. Terapia não é conversa. Análise não é falar. Nesses casos, estamos relatando nossas milhares de solidões a técnicos essenciais ao mundo contemporâneo. Falo de conversa, esse gesto em que alguém escuta como que enxergando a alma do outro. Falo de diálogo, esse momento em que o entendimento não depende de lingua, linguagem, idioma, mensagem, é apenas e tão somente entendimento. O silêncio entre partes pode estar cheio de verbetes, repleto de palavras, coberto de breus e julgamentos. Trocar frases e conversar são coisas completamente diferentes. Um espaço de conversa é a única forma de blindar relacionamentos, ligações, sentimentos.

É preciso sempre dizer o mais próximo de tudo que se tem a dizer de bom a alguém. Acredito que precisamos ser lembrados disso. Do quanto somos amados, queridos, bem-vindos, amigos, bacanas ou, sei lá, limpinhos. Não precisa ser toda hora, mas não pode ser um evento raro. Tenha medo de  tornar-se seco, durão ou invencível. De acreditar na desconfiança permanente como forma de vida, de preparar-se mais do que o necessário para qualquer atividade. Ninguém deveria ser impermeável às emoções sagradas do amor em suas manifestações diversas. Nem imaginar que esse sentimento é perfeição acima de tudo. O amor não é perfeito, apenas vê perfeitamente tudo e todos sob a lente da felicidade. Quem não ama pode ter medo do mar. Quem ama, anda sob as águas. De barco, com colete, mas anda. Parece estranho falar de amor e medo na mesma conversa. Talvez não seja. Talvez o medo básico seja o de não existir amor legítmo ou seguro o bastante. E que entre amar ou ter medo, a gente prefira o segundo, já que é mais conhecido. Isso é como escolher ser assaltado sempre pelo mesmo bandido.

E se por um instante pleno de nós mesmos abrirmos mão dos medos, uivos, grunidos, histórias apavorantes, criadas por criaturas de um mundo triste? Não sei de você, mas acho o amor e a janela duas grandes descobertas. Mas se precisar escolher, deixe a alma aberta.