Tempo

Te escrevo do lado de dentro da saudade, onde Maria Bethânia (cuja voz é uma reza em todas as línguas) me canta Oração ao Tempo. Acho que um timbre desses deveria ser mantido ao alcance das crianças, receber uma medalha de honra ao mérito, ganhar roupa de domingo ou todas as opções anteriores.

Oração ao Tempo é um passeio, sabe? Acontece de mãos dadas com a alegria e o dia passa brincalhão e de bom humor, num azul que não deixa dúvida: Deus é uruguaio. Desses que é 31 do mês e a gente acha uma nota de cem dentro de um casaco antigo. Ainda sim, foi preciso visitar o lado de dentro da saudade e, daqui, escrever pra você.

Na sua Oração ao Tempo, Caetano pede “o prazer legítimo e o movimento preciso, quando o tempo for propício”. É um pedido gigantão, algo parecido com um “me vê um pouco de amor correspondido, um punhado de infinito e capricha na porção extra de sabedoria”. Tudo isso pra viagem, claro. Porque prazer legítimo é o afeto plenamente expressado. Movimento preciso é seguir na direção do acolhimento que tudo que é vivo merece. E tempo propício é a esperança disfarçada de discernimento. Essas bandas dificilmente tocam juntas, não achas? Se a resposta for sim, chegaríamos a um lugar onde ninguém é forasteiro, banido ou abandonado. Afinal, ao nosso lado estaria um compositor de destinos, algo inventivo e possivelmente contínuo, como o bom Veloso deliciosamente descreve a passagem de tudo. Se a resposta for não, talvez isso explique a atração que temos pelo eterno e o medo que alimentamos por tudo que a gente possa mesmo sentir falta. E essa tentativa de tirar a gradiência da vida que transforma em mistério cinza tudo que é, simplesmente, colorido e brando. Gosto de uma  frase do meu amigo curitibano Solda, um cartunista dos bons. Uma vez ele me disse algo que resume o espírito das almas felizes, leves e suspirantes: “para viver e desenhar, é preciso correr os riscos”.

Caetano deixa claro que uma vez atendido na prece que faz ao tempo, seu espírito poderá conquistar um “brilho definido” para, em troca, “espalhar benefícios”. Sendo mesmo realizado, é um gesto que engrandece a raça, já que um tal brilho teria como benefício espalhado o encontro entre a capacidade do amar com a felicidade de ser amado. Se é possível? Sei que se fosse fácil não precisaríamos de uma oração, precisaríamos?

O ponto é que adoraria te abraçar sem prazo pra desabraçar. Longe do tempo, à salvo de todo tipo de pra sempre e dentro de todos os nossos portais. É assim que passo os dias: prestando atenção no que me dizes nesse tempo em que não estás. Não pensa que me passa desapercebida a tua presença. É sempre um presente quando podes vir ao canto de cá da gente. Caetano conta que “quando tiver saído para fora do teu círculo, não serei nem terás sido”. Queria que soubesses que sigo experimentando esse algo que nos expande, nos acolhe e nos compreende. É o que me faz entender que serei e que seguirei pertencendo e pertencido.

Pequenas partidas

Não partir. Esse é o maior perigo de uma viagem. E a forma mais trágica de naufrágio” (Amir)

Te escrevo depois de um tempo sujeito a chuvas e trovoadas, querida. Fez frio, ventou aquele vento que uiva, gelou aquele frio que nos curva e encolhe. O turvo e o nublado não fazem meu tipo, você sabe. Então deixei que Almir me tocasse a alma com canções que nascem do interior das matas, dessas que brotam verdes e verdadeiras, daquelas  que andam devagar por que já tiveram pressa.

Suspirei com Renato afirmando que cada um de nós compõe a própria história, o que é trabalho de uma vida inteira, assim no sentido de plena. O profeta que vive no interior de si mesmo me conta, como quem canta uma verdade libertadora, algo capaz de desafiar o desencanto: cada ser em si carrega o dom de ser capaz de ser feliz. Não sou caipira pira pora, mas por Nossa Senhora, como discordar disso? Certamente concordo, mas há uma distância enorme entre a concordância e sua outra instância, a crença que nos leva a escolher entre o intenso das massas ou a leveza das maçãs.

O ponto, no entanto, não é alinhar-se com Sater e Teixeira, essa é a parte fácil. Os bons matutos matutaram muito até sorrir o sorriso que se abre na velocidade de um sol chegando ou indo e suas tantas nuances durante o dia. Eles dizem algo que não queremos ouvir. É uma afirmação irretocável, que revela um profundo, sofisticado e cascudo caipirez:  é preciso chuva para florir. Os danados usaram uma imagem suave para avisar aos caminhantes que o caminho nasce da escolha de se por em marcha. É bonito, mas produz calos. É emocionante, mas provoca câimbras.  É maravilhoso, mas a pele racha.

Por anos, contei os dias para te contar sobre os dias e sobre tudo que te contaria. Enchi os bolsos de estrelas e de alma enluarara, compreendi os sons das matas, a algazarra dos bichos, a hora certa de abrir clareiras, os homens, seus sotaques, histórias e cantos, além de línguas estranhas, como o Esperanto. Estive calmo, mesmo quando o tempo esteve fechado e a única esperança era chegar ao porto dos desesperados, onde chegaria são e calvo.

O fato é que fomos e indo, nos separamos. Aos poucos, esqueci tua voz e talvez isso tenha sido necessário para que ouvisse ou houvesse a minha. Foi então que recomecei a agradecer pelo tempo das descobertas, as trilhas abertas, a alma curiosa, a fome de escrita. Revi os livros, revivi os risos, os gestos e o dia em que me deste um coração capaz de repulsar tudo que fosse amorfo, mofado e inconsistente. Entre voltar para o ontem, onde moram as lembranças ou viver no amanhã, onde tudo que existe é o inexistente, habito no hoje, que hoje é o melhor dia do sempre.

Ando devagar porque já tive pressa, ensina a linda canção de Amir e Renato. É uma música que marca mais um parto entre nós, uma noite sem lua e serenamente em paz, ainda que o ventinho avise que o tempo vai mudar. Pensando bem, para o tempo não há outra coisa a realizar, não te parece? Afinal, como nós, ele também precisa de amor para poder pulsar, de paz para poder sorrir e da chuva para florir.  Por isso passa, tange e une tudo que inspira: viver às vezes é rock. Noutras, viola caipira.

Ufa

Definitivamente, sou um vexame dos grandes. Qualquer malandro com uma história fajuta me tira uma grana em sinaleiro. Da grávida parindo e precisando de uma ajuda pro táxi ao office-boy que perdeu cinquentão e conta comigo senão já era, caio em todas.

Choro por coisas sérias e estúpidas. Saudade, amor, topada na mesa, comercial do Itaú, os textos da Clarice, uma passagem bíblica, lembranças infantis, pequenas gentilezas, grandes amizades, as coisas me comovem, algumas me paralisam, outras me movem, mas eu nunca deixo de perguntar algo fundamental: viver é pavê ou pra comer?

Pode ser no cinema, uma recordação enluarada, a sensação de presença da alma amada, um som, uma convicção, um olhar límpido, aquele gol do Inter no Olímpico, definitivamente, sou a terra do fiasco. Quer cerveja mais mimimi do que a Malzibier? É a minha preferida e juro, não faço pra chocar, por pose ou por tipo. Acho que sou mesmo um esquisito, que presta atenção no joio e nem sempre escolhe o trigo. Por que? Porque acredito que viver zumpé simples, mas não é 2+2. Requinte é um requisito da simplicidade. Pressupõe se propor ao que é simples de verdade. Como pra quase tudo, há muitos caminhos pra isso. O meu não dispensa (às vezes) pão, queijo, salaminho e aquela do Roberto. Ah sim, ajuda muito se o seu amor estiver por perto. Não sei dos adequados, nem de quem padeça de certeza absoluta, ranhetice aguda, velhice doentia, indelicadeza crônica: sempre estive ao lado dos naufragados em águas turbulentas, onde nascem os bons marinheiros. Os que salvam mulheres e crianças primeiro, os engraçados, os prontos para ficar, os decididos a partir, os emocionantes, os emocionados, os amantes, os abandonados, os esquecidos, os deixados na terra dos temporais e dos absurdos. Olho para os vitoriosos do meu tempo quando o meu tempo faz aniversário. Nunca me senti tão bem jogando no time dos otários.

A única

Foi impressionante, reinou absoluta na minha vida, até entrar no rio de onde jamais sairia. Antes dela mergulhar pra sempre no que há de bom a recordar, é fundamental dizer que não haverá outra. Yara, assim com y, foi amor em todas as direções. Começou no exato momento em que a vi chegando e permanece criando memórias pelo tanto que andamos juntos. Antes do acidente que terminou no rio onde a deixei, percorremos juntos dias felizes e suspirantes. Entendimento completo, equilíbrio absoluto, uma intimidade que enfrentou, alegre e divertida, o que havia de tempo e suas chuvas, além do que existia de sol e as sedes que provoca. Não houve distância entre nós. Posso sentir agora mesmo minha mão percorrendo suas formas proporcionais, unidas por curvas e retas diversas. Sempre fomos táteis, sutis e fáceis um para o outro. Gostava de ver seus enfeites, conhecia um a um os sons que emitia e até o baque no rio, não olhei para outra. Lembro do dia exato, era um domingo dedicado à pescas no Guaíba, praia do Lami, Porto Alegre, 11h45. Chegamos cedo, sem pressa, não sabia que jamais a veria novamente. Nem que não haveria nada que eu pudesse fazer. O sol escaldante exigia Minuano, um refrigerante local, doce como cana de açúcar. Fmariel fernandes.monarcomos buscar e na volta, aconteceu o descuido. Um gesto em falso, a ponte chega, uma batida seca, ela cai no rio. Depois do susto, apareceu gente de todo tipo, eu em desalinho, sem fôlego e descrente daquela separação. Foi como chegou, causando uma surpresa. Quando meu irmão mais velho me tirou à força do rio, já tarde da noite, ninguém mais acreditava que a encontraria. E foi mesmo a última vez que vi minha primeira bicicleta, uma  Monareta Dobramatic, Yara para os íntimos.

Discurso

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Neste momento onde o pais se expõe aos seus eternos discrutínios, notória é sua exprecência e precisamos agir. Não seremos os superlativos adjetivados, resistiremos quanto se possa às reticentes bossas desses geradores de gírias impériclas e diria mais, se não dissesse menos, que por hora é o que temos. Interrogações varzelian nossos campos e palavras nos faltam, além de evitarem os inevitáveis abundamentos sofísticos, elísticos e parece que o Inter ganhou. Levantaremos velas, mares e enfrentaremos irrefreados de tudo um pouco, ainda que não se saiba a exata medida dos quadris que perfilados sugerem um movimento, mas a sugestão não será aceita, alguém dirá bobagens e um sujeito chamado Olavo vai baixar a mão no baixinho de nome Sinval, uma loucura. Azeitemos sandubismos mortadecímacos, mas não passarão os viveres retintos, instrumento de tal valia que substituiria a falácia palavrínica, houvesse algum sentido nessa mão única. Pasmem, paspalhos. Mamem, bebês. Corram de tudo um pouco, é chegada a hora. E tenho dito. 

 

Está nos detalhes

As pequenas coisas
Andam devagar
porque nunca tiveram pressa

Entre tantos entretantos, estamos, no entanto não somos. No sumo das coisas, entrevistas, entre vistas e pontos de exclamação, usar ou não? Um caminho, dez caminhos, quantos ninhos, quantas vertentes tentei ver. Desatento, vivo no momento inexato da partilha, sou um ato, um fato, uma anatomia. Não é muito, mas basta. Do eterno a terna parte que gasta.

Gentes

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Toda pessoa me interessa, o gesto, o gosto e por quem seus sinos dobram. Pessoas são boas, algumas estão obras incompletas: vivem em curvas, sonhando com linhas retas.  Algumas são vestidos, se trocam, se gastam, esvoaçam pela vida, saem de moda, viram tendência ou panos de prato. Há dúzias de carros, centenas de Camaros, milhares de fusquetas, conheço duas ou três que são lambretas. Pessoas me deixam curioso sobre o rumo que tomam e o porque daquilo, o motivo sempre me intriga. Quando se toma a decisão entre ser leão ou viver formiga? Algumas, aos poucos, vão lentamente se afastando de si mesmas, essas me entristecem. Essas desamanhecem, o olho escurece, ficam enlutadas e submergem no silêncio das almas caladas. Corri esse risco, quase morri. Quem me salvou me salvou por amar uma vida que se ia, até que amanheci um dia , mas  ainda não agradeci, pelo menos não como devia. Pessoas são fundamentais, mesmo que eu esteja cada dia mais em dúvida sobre o pra que. O fato certo é que precisamos uns dos outros ou ficamos loucos, ciumentos e cheios de certezas. O que nos salva é a existência de tudo o que nos é  favorável e de todos que nos sãos contrários. É dessa fluxo que surge gente e gente ainda é a melhor saída, a grande chance de encontrarmos vida nos planetas que somos e nessa ilha que navega espaço à fora. Chatas, gordas, altas, cariocas, emergentes. Lindas, tolas, iradas, urgentes. Ainda temos tempo de curar as nossas chagas e de colocar na Terra uma grande placa: Tem Gente, mas há vagas.

Marcelão Paiva no Tass

Marcelão Paiva no Marcelo Tass do Terra

Marcelão Paiva fala, desfala, diz, se contradiz e mistura divertimento com profundidade.

Ensaio Crítico Sobre Tendença

Cricri, o crítico
Ele é prefeito, vereador, ex presidente da Liga da Justiça. Atualmente vem sendo muito utilizado como meio campo, mas nunca se sabe.

” Há todo um expressar, entende? Dá pra ver de imediato que trata-se de um impressionante representante da Escola de Kotescusturá, que se movimenta espontaneamente por perto e próximo, algo evidente pelas formas, ângulos e notas fiscais. É também  um entendimento de quem entra, sai ou fica com muita facilidade no meio extremado do entre uma coisa ou outra, talvez ou certamente ambas. Nada é certo,  é o que não parece, a não ser – possivelmente – o Newmar. Merece nota os tons de golfismos, muito presentes pela ausência de um substrato qualquer. Ou, como diria Pelé, “entende?”. Finalmente o metaquântico espírito de  Joseph mouth the goat vai se manifesta para que o espectador médium perceba o espírito da coisa. Não esquecer e levar em conta que trata-se de uma obra Ilza Carlística por ocupar com autoridade um espaço enorme. O artista faz um passeio perturbador e estrondoso num mundo estranho, onde consegue unir em uma mesma tela (acho que é uma tela), o melhor de Marisa, Luiza e Renner, ainda que apenas essa última realmente faça tudo em 12 vezes no cartão “

Quem entende os críticos de arte?

- Viu a última?  - Anrãn. Me passa o vinho?
s – Viu a última?
– Anrãn. Me passa o vinho?