Cheiro de terra molhada

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Toda vida nasce original, cheia de perguntas, repleta de saltos sobre o impossível. É aos poucos que vamos nos tornando uma produção em série, tomando partidos, partindo de nós mesmos, repetindo refrãos e repartindo certezas absolutas.

Tudo nascimento é uma surpresa se espreguiçando, não há pressa, somos presas fáceis para os risos pendurados no rosto de quem dorme bem. Não se trata de não crescer. Falo de não envelhecer. De resistir com bom humor à tentação de ingressar no clube dos perfeitos, esse lugar que só aceita sócios que gostem de 40 tons de cinza. De respostas fáceis. Dos textos que você entende de prima. De citações da Clarice no Face. De ser de direita ou de esquerda. De escrever tudo em caixa alta. De achar normal a miséria que a racionalidade séria produz em cada esquina do mundo.

Viver é gradiente, não cabe numa equação exata, não exija lógica de uma vida feliz. Coloque uma lupa ali e você vai encontrar decisões estranhas, joelhos machucados, cicatrizes diversas e alguma infelicidade. Parece incoerente? Só no clube dos perfeitos, onde tudo é cinza, há um compromisso fechado com o previsível. A proposta dessa turma é acompanhar você, aplaudir você, entender você, orientar você. Em troca por tanta gentileza, só precisamos transformar nascer, crescer e morrer num processo monótono e sem sobressaltos. O clube dos perfeitos acredita que só uma existência sem imaginação e originalidade vai nos levar ao paraíso certo, onde nos vingaremos dos impuros.

Pessoalmente, não acredito em velas acessas a anjos intermediários. Meu Deus não faz trocas. Ele trabalha como taxista numa cidade do interior e seu maior projeto não é o amor nem o perdão. É o fato de criar almas destinadas a si mesmas, incapazes ao ódio ou ao pecado. Concordo que isso não consola muito quando você vê o amor da sua vida partir. Entendo que sorrir não é o suficiente depois de um tombo feio. No entanto, são momentos. Por mais que doam ou durem, são um instante. Acredite quando digo que há sempre um milagre em curso, a surpresa da chuva, a terra molhada, a alma de tudo surgindo. Não precisamos nem acreditar. Basta saber pra onde não estamos está indo.

PS:

Estou devendo (não nego, pago em seguida) uma crônica sobre o Opala e um post sobre o que senti ao assistir “Show de Truman”. Em breve, tudo será quitado.

Cheiro de terra molhada

colunaComeça do nada, o tempo seco, a terra inerte e cheia de pó. Primeiro, a brisa chega (leve, dançante e alegre, como as almas amantes). Em seguida, acontece um encontro inexplicável. É a saudade, até então exilada no céu, que se lança ao chão que só conhecia -até ali- o pó e nisso acreditava. O que ocorre é o encontro dos contrários, libertando o silêncio da escravidão das palavras. É um momento oceânico, gota a gota. Uma conversa entre a vida e seus extremos. Acontece naquele momento em que a chuva ainda não começou, mas já é chuva. Ocorre na precisa hora em que a terra recebe um líquido inesperado e agradece, num sorriso só aberto aos atentos de todos os sentidos. Quando a água toca a terra, nasce algo que é a soma das duas. É uma canção, um presente, a calma vestida de urgente, o eterno do amor revelado num instante. Uns chamam de chuva. Eu chamo de sempre.

Im((par))

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Os mundos pós aniversários

” Um livro com inícios, meios e fins “

Lionel Shriver escreveu um livro bem, bem, bom. Chama-se ” O mundo pós-aniversário “. Trata de relacionamentos e escolhas. E se Irina (personagem principal, não se deixe enganar pelo nome estranho) fosse por aqui? Ou por ali? Lionel resolve isso de modo brilhante. Ela escreve o que aconteceria se ela fosse por aqui. E o que ocorreria se ela fosse por ali. É um capítulo dedicado a cada escolha, as consequências, alegrias e decepções, envolvimentos, dúvidas, incoerências, certezas e sub-dramas. Você pode viver os dias de sim que Irina diz a um determinado encontro. Ou acompanhar o que se passa quando ela opta pelo não. Tudo entremeado ao dia-a-dia dos personagens e controlado com brilhantes toques de sutilezas, verdades e observações da nossa humanidade. A escritora encontrou uma forma super interessante de contar uma ótima história de encontros e separações em 541 páginas de leitura fácil. A maioria de nós tem saudades das escolhas que não fez, dos caminhos que não percorreu, de como seria, sendo, caso tivesse ido ou fosse, entende?  O livro resolve isso para Irina. Ela tem a possibilidade incrivel de viver plenamente duas escolhas.