Fuso

Pode ser lido na direção que você quiser

E se formos formados também de um tempo criado, estabelecido por trópicos, linhas, movimento solar? Então talvez cada um de nós tenha um horário próprio, interno, indiferente do segundo passante, do minuto restante, dessa gente que tic tac tic tac tic tac e passa.

Quem sabe quanto mais próximos (ou distantes) do paralelo 30, tu não me sintas da mesma forma que eu te perceba. Nem à flor, a chuva, o chapéu, a greve de fome, a importância, o aroma, o bife, estar contigo no sábado ou a dureza das despedidas. Talvez eu não saiba de ti. E mesmo que me digas, posso estar (como tu) em um tempo fora de mim e assim, não te compreendas ou não me queiras, não te entenda ou não me vejas. O que sei é que mesmo assim, nos teremos porque tecemos linguagens próprias, carinhosas, é desimportante o nome que dão.

E se o que percebemos não seja o tempo, mas fusos uns dos outros, um momento, um instante, elementos, encantamentos, tiques verbais, ansiedades, separação de mentira e amor de verdade? E se não for escrever o que me acalma, mas sim escrever pra ti, saber que me lendo te tenho? Ver que decifrando palavras te devoro e que me olhando em frases, me decifras?

E havendo almas que se alcançam e que se alcançando apenas se amem e se amando se queiram bem? Almas que passam pelo tempo, dando a ele pouca importância e muito movimento. Almas no mesmo fuso, mas sem a doença das fusões. Almas vivendo suas horas, se oferecem ao outro por se terem, por se verem e por amor.