
Estamos empedrados no tempo e se você tem claustrofobia, más notícias: o espaço diminuiu consideravelmente. Não vou nem citar o Sartre, que duvidou até da sombra. Mas existe uma teoria, cada vez mais aceita, de que a única coisa que existe realmente é a Gal Costa. E só enquanto está cantando Baby, eu te amo. As coisas que vivemos não são as coisas que vivemos, são lembranças selecionadas, depois editadas e finalmente expostas com a locução do nosso Galvão Bueno existencial. Significa dizer que o passado que lembramos não apenas não é confiável como possivelmente não foi bem assim que aconteceu. É o que conclui um estudo pra lá de interessante de um cara chamado Leonard Mlodinow. Primeiro, ele revelou o papel do acaso em nossas vidas com um livro chamado “O andar do bêbado”. Agora, o sujeito me aparece, divertido e surpreendente, em “Subliminar”, onde mostra que muito (mas muito mesmo) do que lembramos é puft, nada, pura criação, não houve aquilo, ou não exatamente daquele jeito ou foi bem diferente. Mas piora, com o tempo e a passagem das páginas: nós projetamos nossas ações com base nos conhecimentos, valores, inspirações, acessos e intuições vindos de um lugar chamado lembranças. Probleminha: elas têm que ser mantidas longe do alcance das crianças. Então sorrimos para o tempo e dizemos que amanhã será como ontem. Probleminha II: não temos a menor ideia, na maior parte do tempo, do que foi mesmo que aconteceu ontem. É como seu o id, fosse num boteco, encontrasse o ego, tomassem um porre e o super ego mandasse os dois (sem jantar) já pra cama. Troféu Mãe Diná pra quem conclui que o amanhã está fora de controle. Foram anos de estudos big sérios, imensamente fiscalizados, padrão Fifa de neurociência. A boa notícia é que talvez a Tia Flavinha não seja tão feia assim. Leonard (o mesmo nome do meu personagem favorito em Big Bang Teory) ganhou elogios até do sisudo The Economist, mas desconfio que eles não sabem exatamente porque fizeram isso. Aliás, passei a não confiar em nada fora das 24 horas. Pensando bem, sequer as 24 horas são confiáveis, já que se tratam (na verdade) de 23 horas, 56 minutos e alguns segundos. Moral da história: há muita versão e pouco fato. Muito testemunho e pouco ato. Somos uma espécie de ilha de Lost com uma vantagem: se começarmos a distinguir miragem de realidade, há uma chance de sairmos inteiros de dentro da caverna onde nos metemos.
PS: este é meu post número 100. Quero, de coração, agradecer pelo carinho com que as nossas conversas são construídas. Escrever me acalma. Ou, pelo menos, transfere para a tela as coisas que se agitam em mim e que serenam por se transformar em um texto, uma conversa, um espaço de encontro, de amparo e de comemoração à vida. Eneida, que pessoalmente comandou a equipe que me tirou dos escombros, sabe do que falo. Ainda estou tirando o pó, querida. Mas cada dia fica mais fácil.
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