Não é naufrágio só porque afunda

Escrevo para ser visto ou, pelo menos, escutado. Escrevo auscultando tudo que vive e os motivo das muitas mortes que tive. Escrevo porque a urgência me acalma. Para falar do invisível que vejo. Escrever me gasta. É o que me faz desgastar os fatos, os encaixando na cama preguiçosa do imaginário. Desgosto e escrevo o que não mostro. Desprezo e escrevo (ao mesmo tempo) tudo o que me exaurindo, me vê partindo em mil pedaços. Sou parto e barco, porto se despedindo. Quando encerro, me fecho e não me queixo. Deixo que escorra em mim a borra do desencanto. Não me pergunte dos risos que não dei. Das riquezas extraviadas. Não é que não queira falar. Apenas não sei. Me fujo e me sujo em letras desencarnadas. Puno o que não lido. É um azar não me ler, mesmo a mim, porque descrevo o que te vejo. Agora percebo um certo desprazer, um incômodo, a decepção borbulhante entre silente e calma. Não escrevo, delato. Não escrevo, arremesso. Não escrevo. Me atrevo. Não escrevo. Não escrevo. Não escrevo. (   )

Textura

A coisa mais difícil que sei fazer é ler. Não entendo matemática, gosto de ilusão de ótica e de sons como Nairóbi. Caço pedras, choro à toa, coisas bestas me magoam. Depois que dou o ponto final, não lembro de uma linha do que escrevo sob encomenda. Mas ser ler algo, qualquer algo, te repito  na vírgula o que foi escrito, não importa o tempo que passe. Acho que as palavras podem ser semelhantes, mas não existem sinônimas, tudo quer dizer o que diz. Quieto é diferente de silencioso, por exemplo. Tudo isso pra te dizer que meu olhar tem uma ligação umbilical com as palavras e seus múltiplos significados. Um texto diz absolutamente tudo sobre quem o escreve. Há estilo, personalidade, intenção, assinatura, crenças, visão de mundo, a escrita não fica com o que não é dela. Na arte plástica sou um obtuso. Normalmente não fala comigo, ou me diz pouco. Comecei a me perguntar o motivo disso, se gosto tanto do que há de belo na vida. Assim que tiver, se tiver, uma resposta pra isso eu conto. Por hora decoro dois escritos. É uma forma de reler o bonito que há só pra mim.