Invernada

Faz um rigoroso inverno, desses que gelam os ossos por onde passa um vento cortante e seu som sibilado fshiiiiiooooo.
Lá, adiante do morro dos réus, o sol se dispõe a ir e o céu abre passagem. É lindo de ver, a ponto de levar a saudade de qualquer verão pra longe. Depois de um dia inteiro tiritando, um dia não, dias. Dias não, meses. Foram meses tiritando.
Então, finalmente um descanso no feno e seu aroma de feno, a consistência de feno, o cansaço que acolhe sem saber de nada, afinal, é um punhado de feno. Serve para deitar, depois de meses tiritando de frio e pensando impropérios correspondentes.
Aos poucos, a pálpebra pesa e os pensamentos se acomodam em cima do trator. Atrás do ancinho. Ao lado do balde. Nos dentes do rastilho. Nas costas da pá. Junto com os marrecos. Nos lampiões na madrugada. É o seu tempo de sonhar-se. Ali, escondido no celeiro e acolhido entre o feno e o frio, dorme depois de mais um dia. Tem a sensação boa de um dia bem feito. É quando adormece.