Era um jogo do Inter. Angustiado e atento, eu era um garoto grudado no rádio. O locutor descrevia a cena e exagerava como todo locutor faz. Nos levava aos trancos, solavancos e chiados ao estádio adversário, gritando que “o colorado enfrenta de tudo aqui na Argentina. São heróis da pátria rio-grandense, são gaúchos, são vermelhos, são poucos, mas são imbatíveis”. Assim que disse imbatíveis, houve um silêncio. Algo longo e estranho, incompatível com a fé de quem transmitia o jogo, descrito como “uma luta de gigantes, centímetro por centímetro do campo”. É impossível tentar determinar quanto tempo durou aquele momento parado, tenso e mudo. Mas passado aquele hiato repleto do nada dito, o gol do River Plate foi anunciado. Procurei certeza de reversões num irmão mais velho. Sua expressão era lívida e apenas me disse “pode não acontecer”. Como era possível não acontecer? Já já entra o nosso, alguém vai passar por um, passar por dois e então viria o gol salvador, o gol dos imbatíveis, o gol da redenção, o gol que não veio. Lembro de uma tristeza só possível aos inconsoláveis e aos apaixonados, aos lunáticos e aos esperançosos sem motivo. O garoto que era não compreenderia a reação do homem que reviu aquele jogo graças às coisas da tecnologia. Achei a partida ruim, lenta, desprovida de maiores emoções e, sinceramente, o River era melhor. Não havia heróis e o placar deixou claro, não eram nem imbatíveis, sequer havia uma pátria rio-grandense. Por anos lembrei dos sons daquela partida. Quando a vi dia desses, quase não a reconheci. Algumas emoções são assim, acho. Precisam de tempo para que o apego das lembranças afetivas não surta mais o efeito que um dia teve sobre a forma como entendemos amores, rancores, vitórias e derrotas. Imagino que a experiência dos dias nos ofereça a chance incrível de perceber a falta de importância de certos fatos, ainda que fatos sejam. O que me faz torcer para o Inter não foram suas vitórias e sim o fato de tê-las acompanhado, acabando com as unhas e cutículas, dependendo do jogo. Foi o tempo que vi o time crescer e que eu mesmo cresci. Foi saber decor e salteado as escalações, foi ter acordado cedo quando o jogo era no Japão. Será que meu amor pelo Inter nasceu porque gostei do vermelho e do símbolo do clube ou por que estava ao lado do meu irmão, os dois grudados no rádio e ouvindo o narrador exagerado? Talvez essa resposta venha com o tempo, talvez não. O que entendo agora é que o essencial na construção de qualquer história é a oportunidade que ela te dá de experimentar forças que temos em nós. Somos formados por inexplicáveis possibilidades, o que inclui certezas que serão abaladas, confirmadas ou esquecidas. O Inter, naquela noite fria de chuva, perdeu. E isso não o impediu de ser campeão mundial de clubes. O garoto esteve triste. Isso inspirou o homem a lhe mandar boas notícias.