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(Esta crônica foi publicada originalmente em 10.10.2018, com o título “Estações”. Era uma conversa com a alma que amo sobre a passagem do tempo e o que diria ver, nesse diálogo imaginário. Espero que Regostem).

Te diria que os dias de inverno passaram e que alguns foram especialmente lindos. Nessa esseasons-of-the-year-1127760_640tação as coisas se recolhem, como se a vida refletisse sobre si mesma sem apressar-se em conclusões. As horas também passam assim, construídas sob um silêncio invernal, enquanto se dá uma boa espiada nos abismos que as pontes (feitas de saudade) nos ajudam a atravessar. Te diria que passaram tantos dias de inverno que nem sei se escrevo direito.  Só sei que tremo enquanto lembro o tamanho das geleiras. Li Fernando Pessoa, que me aconselhou a “seguir meu destino, regar minhas plantas e amar minhas rosas, já que o resto são as sombras de árvores alheias”.  Vi gente encapotando seus corpos gelados, chorei pelas almas tiritando de frio e confesso: meu coração é tropical demais pra o tanto de nublado que foram certos dias.  Te diria que o inverno passou porque é isso que as estações fazem. Às vezes trazem o verão, às vezes nos trazem o não. Será que você poderia me contar como foram teus dias aí e como é a vista onde você está?  Te diria que isso é a única coisa que conta, que todo o resto passará. Passaremos porque (como as estações e as estrelas) é isso que fazemos.

Te diria para ouvir a primavera, anunciada por um som brando nas suas manhãs. Escutas? Passei por elas, são inesquecíveis. Têm o aroma do caminho da faculdade, o cheiro da rua perto de casa e da água quando se encontra com a terra, que saudade. Mesmo nos dias mais tristes, tudo dança, surge, gorjeia, se engraça, gargalha, se espalha, se alimenta, suspira, inspira, se torna enluarada. Afinal, num pio, a primavera chega com os filhotes de passarinho. Mistura milagres, aromas, leituras e curas. Mergulhe nisso tudo e verás que não existe nada que não possa ser ultrapassado ou deixado, nada é nosso ou está definitivamente conquistado. Toque no intenso prazer dos encontros que se transcendem, encaixam, iluminam e se transformam, ainda que tenham outras coisas a fazer. A primavera existe pra gente se colorir com a palheta de milhares cores, todas perfeitas, todas feitas (como qualquer coisa) para serem passageiras. Ela nos lembra que não somos mais os mesmos agora mesmo, nascemos crescemos e morremos nesse exato momento. Nunca estamos no lugar de antes. Nunca respiramos o mesmo ar. Somos outros em tempo integral, instante a instante. Por isso só é possível entender o eterno aos poucos, o imenso em seus detalhes e ela, a primavera, como essa pintura que dura uma primavera inteira.

Te diria que uma vez passada, a estação te trará de presente os tons do verão. Talvez ele seja a inspiração para vivermos entrelaçados. Cães, peixe-boi, jacaré, arlequim, hortelã, gato, ovelha, terra, rio amazonas, uma árvore de estimação, tudo nos impulsiona, tudo pulsa, é verão de vez em quando, mesmo que sejamos (e somos) um zapt, um pluft, um zimp. Tempo das águas, das fresquinhas, daquele vento cheio de magia que refresca e não refresca, alivia e não traz alivio. É o silvo, o grunhido, o bicho, o sol a pino, Bahia, alegria, Havana, chinelos e o trenzinho do caipira. Da viola, de Tom Zé, verão é um sorridente toma lá dá cá. É a angústia se afogando no mar e ressurgindo como Iemanjá. No verão, o verão está em alta, o verão não falta, está ali, pleno de ser verão. E passará, quente, urgente, feliz. Irá cheio de vitamina D, sem eleição, todos eleitos, todos feitos de verão em seus exageros, sua elegância à vontade e temperos de sol a sol. Partirá sem desculpas, sem culpas, para cumprir sua era quente, bronzeando as gentes, saltitante em suas areias. Seguirá seu destino dentro dos elementos, resgatando a promessa de ser passageiro por lealdade à verdade. E eterno, por fidelidade ao tempo.

Te diria que assim que ele vença a curva e aponte na reta para sua inevitável despedida, encontrará um outono enfeitiçado pela falta que sinto de ti e porque a partir disso me refaço, enquanto renasço. Outono tem um equilíbrio necessário, um recolher as velas. Ainda assim, tudo nele será breve, já que tudo é um piscar de olhos. Outono é a vida em fresta. Outono não se apressa, chega na hora. Passará nos olhando nos olhos, lembrando quem somos, perguntando o que viemos fazer aqui, desenhando propósitos.  Outono estende lençóis brancos no varal imenso dos sentimentos e nos presenteia com perspectivas variadas como as frutas da estação. É tempo de goiaba (prefiro as vermelhas e as roubadas), tem a banana que é um aviso sobre nós mesmos: uma delícia, mas se tiramos a casca é melhor. Tem a preferida dos chilenos, o abacate. Outono não vem com respostas prontas ou fáceis. Não conte com equações óbvias ou práticas simples para ser feliz. Outono é gradiente, feito de reticências, um coating que nos vê uma vez por ano, até que se vai de uma vez por todas. Penso que há algo de mágico em cada estação. Não pelo que nos trazem, mas porque disfarçam o tempo e seus elementos, os emoldurando, durando o necessário, guardando aniversários, indo e vindo de repente. Te diria que não são as estações que passam. É a gente.

Estações

 

Te diria que os dias de inverno passaram e que alguns foram especialmente lindos. Nessa esseasons-of-the-year-1127760_640tação as coisas se recolhem, como se a vida refletisse sobre si mesma sem apressar-se em conclusões. As horas também passam assim, construídas sob um silêncio invernal, enquanto se dá uma boa espiada nos abismos que as pontes (feitas de saudade) nos ajudam a atravessar. Te diria que passaram tantos dias de inverno que nem sei se escrevo direito.  Só sei que tremo enquanto lembro o tamanho das geleiras. Li Fernando Pessoa, que me aconselhou a “seguir meu destino, regar minhas plantas e amar minhas rosas, já que o resto são as sombras de árvores alheias”.  Vi gente encapotando seus corpos gelados, chorei pelas almas tiritando de frio e confesso: meu coração é tropical demais pra o tanto de nublado que foram certos dias.  Te diria que o inverno passou porque é isso que as estações fazem. Às vezes trazem o verão, às vezes nos trazem o não. Será que você poderia me contar como foram teus dias aí e como é a vista onde você está?  Te diria que isso é a única coisa que conta, que todo o resto passará. Passaremos porque (como as estações e as estrelas) é isso que fazemos.

Te diria para ouvir a primavera, anunciada por um som brando nas suas manhãs. Escutas? Passei por elas, são inesquecíveis. Têm o aroma do caminho da faculdade, o cheiro da rua perto de casa e da água quando se encontra com a terra, que saudade. Mesmo nos dias mais tristes, tudo dança, surge, gorjeia, se engraça, gargalha, se espalha, se alimenta, suspira, inspira, se torna enluarada. Afinal, num pio, a primavera chega com os filhotes de passarinho. Mistura milagres, aromas, leituras e curas. Mergulhe nisso tudo e verás que não existe nada que não possa ser ultrapassado ou deixado, nada é nosso ou está definitivamente conquistado. Toque no intenso prazer dos encontros que se transcendem, encaixam, iluminam e se transformam, ainda que tenham outras coisas a fazer. A primavera existe pra gente se colorir com a palheta de milhares cores, todas perfeitas, todas feitas (como qualquer coisa) para serem passageiras. Ela nos lembra que não somos mais os mesmos agora mesmo, nascemos crescemos e morremos nesse exato momento. Nunca estamos no lugar de antes. Nunca respiramos o mesmo ar. Somos outros em tempo integral, instante a instante. Por isso só é possível entender o eterno aos poucos, o imenso em seus detalhes e ela, a primavera, como essa pintura que dura uma primavera inteira.

Te diria que uma vez passada, a estação te trará de presente os tons do verão. Talvez ele seja a inspiração para vivermos entrelaçados. Cães, peixe-boi, jacaré, arlequim, hortelã, gato, ovelha, terra, rio amazonas, uma árvore de estimação, tudo nos impulsiona, tudo pulsa, é verão de vez em quando, mesmo que sejamos (e somos) um zapt, um pluft, um zimp. Tempo das águas, das fresquinhas, daquele vento cheio de magia que refresca e não refresca, alivia e não traz alivio. É o silvo, o grunhido, o bicho, o sol a pino, Bahia, alegria, Havana, chinelos e o trenzinho do caipira. Da viola, de Tom Zé, verão é um sorridente toma lá dá cá. É a angústia se afogando no mar e ressurgindo como Iemanjá. No verão, o verão está em alta, o verão não falta, está ali, pleno de ser verão. E passará, quente, urgente, feliz. Irá cheio de vitamina D, sem eleição, todos eleitos, todos feitos de verão em seus exageros, sua elegância à vontade e temperos de sol a sol. Partirá sem desculpas, sem culpas, para cumprir sua era quente, bronzeando as gentes, saltitante em suas areias. Seguirá seu destino dentro dos elementos, resgatando a promessa de ser passageiro por lealdade à verdade. E eterno, por fidelidade ao tempo.

Te diria que assim que ele vença a curva e aponte na reta para sua inevitável despedida, encontrará um outono enfeitiçado pela falta que sinto de ti e porque a partir disso me refaço, enquanto renasço. Outono tem um equilíbrio necessário, um recolher as velas. Ainda assim, tudo nele será breve, já que tudo é um piscar de olhos. Outono é a vida em fresta. Outono não se apressa, chega na hora. Passará nos olhando nos olhos, lembrando quem somos, perguntando o que viemos fazer aqui, desenhando propósitos.  Outono estende lençóis brancos no varal imenso dos sentimentos e nos presenteia com perspectivas variadas como as frutas da estação. É tempo de goiaba (prefiro as vermelhas e as roubadas), tem a banana que é um aviso sobre nós mesmos: uma delícia, mas se tiramos a casca é melhor. Tem a preferida dos chilenos e da Neidoca, o abacate. Outono não vem com respostas prontas ou fáceis. Não conte com equações óbvias ou práticas simples para ser feliz. Outono é gradiente, feito de reticências, um coating que nos vê uma vez por ano, até que se vai de uma vez por todas. Penso que há algo de mágico em cada estação. Não pelo que nos trazem, mas porque disfarçam o tempo e seus elementos, os emoldurando, durando o necessário, guardando aniversários, indo e vindo de repente. Te diria que não são as estações que passam. É a gente.

Resposta

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“Eu, passarinho”

“Desfaz o vento o que há por dentro desse lugar que ninguém mais pisou”. Assim começa a bela, melancólica e quase enigmática canção “Resposta”, uma parceria de Nando Reis e Samuel Rosa. A letra, inspirada pelo fim do relacionamento de Nando com Marisa Monte, é um folk gostoso de ouvir e foi lançado lá em 1998, pelo Skank.

Nei Matogrosso é o protagonista disfarçado de passarinho em um poema famoso de Cazuza: “eu protegi seu nome por amor, em um codinome beija-flor”.

Com versos maravilhosos que começam com um calmo “ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida” Cartola deu um jeito de explicar à filha que o mundo é um moinho. A canção era um poema-pedido (não atendido, aliás) para que ela não saísse tanto de casa.

Sartre não acreditava em Deus, mas levava a maior fé nos homens: “é como se toda a humanidade esperasse por nossas escolhas para definir quem ela mesmo é”. Da física quântica à chave de fenda, não há o que não me surpreenda. Mas entre tantos entretantos, me impressiona mais que tudo a capacidade humana de drenar suas dores, expressar prazeres, lamentar perdas, festejar conquistas, questionar, responder, acalentar, aprender e ensinar com a delicadeza das almas sensíveis. Um dos discursos motivadores mais legais que já pude ver aconteceu no vestiário do Inter, antes da partida contra o Barcelona, em 2006. O senso comum, chegou à decisão óbvia, como todo senso e todo comum: meu colorado perderia, a questão era apenas saber de quanto.

Antes de entrarem em campo, os jogadores viram um filme, onde por efeito especial, os goleiros, zagueiros, meio campistas e atacantes históricos do clube se somavam a eles na partida decisiva. Falcão, Manga, Tafarel, Carpegiane, Dario, Figueroa, Valdomiro, Escurinho, Claudio, Mauro Galvão, tantos e todos. A locução afirmava que eles não estavam sozinhos contra o mais poderoso time do mundo. Que, junto com aquele time, jogaria uma torcida imensa e aqueles que conquistaram o título mais importante de todos: a reverência e o respeito dos apaixonados pelo inter. Que contra a vontade colorada, o Barça estava perdido. E perdeu. Não sei quanto daquele último discurso influenciou os atletas. O fato é que naquele dia o mundo deixou de ser azul para tornar-se vermelho.

Acho que isso aconteceu porque o tempo abre seus portais para quem está disposto a fazer história. A se arriscar por uma causa, a seguir em frente, a viver a intensidade das coisas. A amar algo ou alguém com a força da verdade que liberte para si mesmo esse algo ou alguém. Pode ser um novo emprego, uma carreira que se inicia, um nascimento, uma fórmula, um aplicativo, o campeonato, a viagem para o estrangeiro, o livro. Pode ser comandar a equipe, o departamento, a empresa. Pode ser um movimento, salvar o polo, limpar os rios, amar uma árvore, não comer mais carne. Pode ser qualquer coisa: se a gente quiser, o portal se abre e escrevemos uma história no sempre.  Ainda era bem jovem quando li algo que me impressionou, que dizia algo mais ou menos assim: “Um dia, é inevitável, você vai encontrar-se consigo mesmo. E não depende de mais ninguém que esse seja o momento mais pleno da sua vida”.

Nando fez uma canção ao final de uma caminhada. Cartola fez um convite não aceito pela filha amada. Cazuza protegeu alguém e seguiu adiante. Sartre desafiou Deus. O Inter venceu os deuses. Não se trata de heroísmo, mas de nos mantermos humanos e ternos. É assim que deixamos de ser instantes e nos transformamos em eterno.

 

PS ao Corintiano Voador, que ouvindo Enluarada entendeu o instante eterno: grato por me traduzir tanto.

 

Verdades aladas

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A vista do meu ponto

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Entre tantos

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Carta ao amor distante

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Aqui estou eu, nesse cantinho do lado de cá da gente. É bem menor do que esperava, confesso. A cozinha é acanhada, a sala é tímida, mas a paisagem, nossa, ela ajuda muito. A vista do meu ponto é espetacular e o silêncio nas (poucas) horas vagas, indispensável. Você já reparou como o horizonte muda? Num instante, é um pontinho lá longe, brincando de lá pra cá e daqui pra logo ali. Mas nas horas de sol escaldante a coisa complica e olhar para o que há de distante exige uma concentração danada. É quando se misturam as muita miragens, e as grandes ilusões. É dessa dessa união que surge a nossa realidade e, gesto contínuo, a maioria dos milagres que acreditamos. Talvez essa confusão explique, entre outras coisas, porque os publicitários ganham mais do que os filósofos. É uma questão de prioridades: slogans são curtos e o mito da caverna, convenhamos, tem que pensar um tanto pra entender.

Há dias que nem te conto de tanto que chove. Nesses, o primeiro sinal que procuro é o cheiro de terra molhada. Alguns aromas são mesmo uma coisa, não? Eles traduzem o momento raro de uma pororoca existencial. É quando a água bate no chão e o resultado do encontro equivale a Deus cantando Over the Rainbow num inglês obviamente perfeito sobre todas as coisas.

Aconteceu de tudo um pouco nesse tempo. Praticamente te vi dia desses, milhares de anos depois que me contaram da tua ida. Estava bestando, distraído e puft, ora, ora, ora você. Fiquei olhando a cena até que desaparecessem tu e o momento. Lembro de ter ficado feliz. Lembro de ter ficado parado. Lembro do quanto gosto do teu rosto familiar. Logo eu, veja só. Logo eu, que sempre tive tudo a declarar, entendi que o silêncio nos distancia, mas também nos torna inseparáveis. Não sei mais o tom da tua voz, guardo os bom conselhos e me mantenho curioso, com os pensamentos em desalinho. Será que esquecemos uns dos outros para não sofrer ou sofremos justamente porque nos esquecemos? Não sei, mas viver coloca algumas perguntas difíceis pelo caminho e algumas respostas nos deixam falando sozinhos.

Aqui do lado de cá da gente, levei um tombão, daqueles de tirar o ar. Ah sim, ganhei uns arranhões, mergulhei em águas turvas e me arrisquei em trechos desconhecidos das estradas. Como sempre, vivo no tempo contrário, entendi que o teu amor é meu amigo imaginário. Sim, ainda consigo enxergar no escuro, de modo que aprendi a saber onde estão as coisas que precisam ser achadas, mesmo quando o tempo fecha. Isso explica porque passei um tempo imenso tentando ouvir te amo em cada estação do ano. De qualquer modo, não recomendo o exercício: esperar pode se tornar um vício. Pode ser uma aventura extrema, cujo final é uma pena pelo desperdício do tanto que poderia ter sido.

 Conto sobre o vão que existe entre eu e você porque foi nele que aprendi a tecer uma vida desconfiada da esperança. Ela oferece centenas de razões pra ficar. Abre baús e álbuns, mostra fotos antigas, fala sobre razões de Estado, declara a importância da família e informa que não há como explicar no momento. Então se embala na cadeira de balanço do tempo ou dorme na rede sossegada das crenças, dos pai nossos, das ave Marias, do onde houver guerra que eu leve a paz. Mãe do céu, como eu queria te abraçar agora. Falaríamos a nossa língua preferida, a vida. Te diria que passei de ano, que ganhei mais uma eleição, que o azul é minha cor original. Dormiríamos então, num canto do lado de cá da gente. Longe do bem e do mal.

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