Começa do nada, o tempo seco, a terra inerte e cheia de pó. Primeiro, a brisa chega (leve, dançante e alegre, como as almas amantes). Em seguida, acontece um encontro inexplicável. É a saudade, até então exilada no céu, que se lança ao chão que só conhecia -até ali- o pó e nisso acreditava. O que ocorre é o encontro dos contrários, libertando o silêncio da escravidão das palavras. É um momento oceânico, gota a gota. Uma conversa entre a vida e seus extremos. Acontece naquele momento em que a chuva ainda não começou, mas já é chuva. Ocorre na precisa hora em que a terra recebe um líquido inesperado e agradece, num sorriso só aberto aos atentos de todos os sentidos. Quando a água toca a terra, nasce algo que é a soma das duas. É uma canção, um presente, a calma vestida de urgente, o eterno do amor revelado num instante. Uns chamam de chuva. Eu chamo de sempre.
Os deuses do futebol têm pés descalços e precisam flutuar entre os buracos do campinho. Há nos times que protegem algo de mítico e atraente, são crianças e suas reluzentes artimanhas que driblam, fintam, cruzam e comemoram vitoriosas campanhas. Os deuses do futebol preferem os campos de várzea, onde a amizade rola, a solidão perde e as lembranças desfilam em carro aberto, carregadas da alegria, troféu eterno de quem um dia já entrou em campo disposto a deixar ali sua alma.
Todo mundo devia amar uma árvore. Um cachorro, um gato, um chiuaua é mais fácil, acho. Uma árvore de estimação não ronrona, não se esconde embaixo do sofá nem abana o rabo. Mas te ensina a apreciar o tempo e, mais que tudo, te lembra da infância em seus galhos que sustentam lembranças do pedaço mais inocente da existência. Tenho sorte: há duas árvores em minha vida. A Japa dava “uvas japonesas”, delícias entre o doce e o nem tanto assim. Ela ostentava um galho mais forte, cabiam dois ou três moleques ali, confortavelmente instalados e normalmente bem suados. Era baixinha, mas encarou ventos de mais de 100 por hora, me protegeu do sol, me escondeu, me tornou mais alto e deixou raízes de coisas boas, lembranças entre o doce e o mais doce ainda. A árvore da filosofia aconteceu por acaso. Estava voltando de um treino de bicicleta, super cansado e extremamente feliz, havia obtido o índice necessário para a participação em um corrida que nem sei mais qual foi. Então a vi, a terceira à direita de quem vai. Tem uma altura boa e recebe como poucas, com seu tronco que parece feito para amparar as costas. Duas raízes saem da terra e formam um descanso inigualável para os braços. Ali estive feliz pelo amor aportado e triste pelo amor que segue suas viagens. Entre livros e cigarros, silêncios e canções, minha árvore acompanha essa alma intrigada e curiosa por todo tipo de vida que há. Retirou-me tantas dores e acalmou tempestades de tamanhos diversos apenas estando aonde estava, a terceira árvore à direita. Passo por ela às vezes e nos sabemos um do outro, confidentes de florestas dos sentidos que damos à vida que vemos passar, eu a a árvore que me acompanha. Nas manhãs de domingo, nos fins de tarde entre segunda e sábado, ela está lá e tem a pouca eloquência dos sábios, o calar dos prudentes, as raízes profundas do sempre.