Um

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Fiquem em seus postos. Amores precisarão de portos antes de singrar seus amares. Se mantenham atentos, será permanente o desafiar dos deuses e implacável o rugir das tempestades. Não desistam, mesmo que inexistam horas amenas. Mesmo que existam poucos momentos amáveis ou porque tudo dá a impressão de que o todo é descartável. Lado a lado, estão o amor, as canções, os ditadores, os dragões, sapos e princesas, a escuridão implacável e as poucas luzes acesas. Vejam os limites da imensidão, o sim, o não, a legião da boa ou da má vontade. Lutam nesse momento efêmero e eternidade e teremos que decidir o destino das nossas mentiras e entender a origem das nossas verdades. Vamos precisar, mesmo sendo impreciso o navegar, correr os riscos de reabrir os portos, contar os mortos e prosseguir. E se antes nosso perigo era desconhecer profundeza oceânica, agora o que ameaça a raça humana é rio seco, o raso riso, o rir, o ir de nada a nada em braçadas largas. No entento, em todos os livros sagrados, da bíblia ao novo curso em milagres, há muitas línguas e muitas linguagens. Seus profetas pedem por esperança, a plantam e afirmam que origem e destino é nosso lugar comum. Que somos Um por todos. Que estamos  todos por Um.

Não me representam

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Não me libertem desse governo, nem de nenhum outro. Não lutem por mim, não marchem em meu nome, não me usem, não seremos amigos. Nem conhecidos, nem haverá risco de erro de afirmarem a meu respeito que desprezo seus métodos e metáforas, os acho grotescos, escusos, secos. Por outro lado, não os mataria, mesmo sem querer, mesmo tendo advogados e seus discursos ensaiados, mesmo possuindo causas aflitas, motivos justos, mesmo assim, não lutem por mim, peço. Não coloquem cartazes, nem vistam camisetas com imagens do Amarildo, o mesmo Amarildo que vocês -tivessem real oportunidade- acorrentariam a um poste.  Dispenso as máscaras, abro mão de toda e qualquer vantagem nascida desse argumento libertador, não subam em minhas costas para chegar a um poder que os fascina a ponto de se desfigurar a obra para  que ela tenha suas imagens, seus gestos e suas formas. Toda vez que gritam, me ensurdecem e deixo de ouvir as canções do Nico, do Herbert, do Chico, as canções que gosto. Toda vez que se reúnem, demoro a passar e perco um tempo precioso aos amores raros, às lembranças boas, bons abraços,  um momento de descanso dos meus  cansaços, que são tantos e que doem mais à medida em que me perco na tentativa inútil de entendê-los. Os nomes que reconheço como a primeira maravilha do mundo? Betinho e sua insaciável luta por milhões de pratos. Este serviu à vida, mesmo sabendo que em breve, a sua estaria desaparecida. Ele morreria, é fato, mas sem o fardo de não ter feito nada diante da falta de arroz, feijão e um bom samba de madrugada.  É hora de lembrar de Frei Beto, São Francisco de Assis e seu método revolucionário que era fazer o bem, de transformar o bem em caminho, de não se apropriar do bem, além de falar com passarinhos. À benção Chico Xavier e sua vontade impressionante de aproximar os que estão distantes.Hoje morreu um trabalhador morreu em plena lida. Morreu entre desconhecidos. Morreu entre desaparecidos. Morreu entre os que verdadeiramente devem ser esquecidos.

Sempre

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Tempo é o templo de tudo que não passa. Melhor não confundi-lo com o que existe de eterno, esse lugar onde é terno pensar em que termos vivemos o que passa. Que adornos damos às coisas que serão mais dia, menos dia, reféns das nossas lembranças. Um café, um brilhante, aquele poema ruim, nada disso tem espaço no sempre, cujo acesso é permitido ao que não seja impermanente.  Para entrar nesse tipo de portal, jogue fora os partidos, esqueça os pedidos de vistas, reveja os processos, e o que sobrou? Se a resposta foi nada, continue cavando, raspando, olhando e insistindo porque restar não pode ser tudo o que nos resta. Porque o tempo não pode ser dividido, nem poupado, nem multiplicado, todo tempo é exatamente incalculável. Todo tempo mentido é tempo perdido. Todo tempo fingido é temporal preparando enchentes. Que o tempo seja livre. Que o tempo vista tudo que vive. Que meu tempo seja um até breve, um riso livre e um espaço marcando o lugar que vivo onde respira o broto inconfundível do sempre

Elas, as coisas

as mesmas coisas de sempre

Fui ao shopping. E ali percebi um desfile de iguais, inexpressivas e hipnotizadas mulheres. Todas vestem a mesma coisa, caminham da mesma forma, usam a mesma bolsa, do mesmo lado do corpo, comem no mesmo restaurante, onde desfilam o mesmo penteado, o mesmo rosto sem rugas ou expressão, obtidos (com certificado) no mesmo cirurgião. Até quando e até onde vai isso, me pergunto. Não há uma desigualdade, uma assimetria, um objeto sem a assinatura de alguém, o mesmo alguém que assina tudo, o sorriso é o padrão rede social, têm o mesmo gosto, o mesmo manequim mine-PP, o mesmo shortinho minúsculo, mostram o mesmo gominho traseiro, a mesma carteira de dinheiro e, parece, caminham para o mesmo destino, a mesma casa, no mesmo bairro, das mesmas cidades, vivendo a mesma vida e morrendo das mesmas mesmices.  Como o tempo fez isso a vocês? Depois dos homens, da moda, o emprego, a dupla jornada, o amigo ausente, o filho doente, o ir sozinha na escola, é presidente ou presidenta? As perguntas idiotas, as exigências do caminho, o salto agulha. Depois dos mal tratos todos, de gostar errado da pessoa certa, de ser ciência, cientista e descoberta, depois de liberadas para uma nova gaiola dourada, depois da asa delta, de se transformar em mulher maçã, pera ou melancia, de fingirem o gozo ou a alegria, depois de todos os santos, de sumirem do mapa, de exigirem uma atitude feminina num mundo terno e gravata, depois vocês ainda vão iguaizinhas ao shopping para agradar quem mesmo? Mal dormidas, bem acordadas, bem resolvidas, mal humoradas, as mesmas nos mesmo carros, com os mesmos planos, os mesmos panos por cima. A mesma falta de ideia de si mesmas, à mercê de todo tipo de elemento. A mesma coisa, coisa alguma, muitas coisas, coisas sem muita vida por dentro.