
Acontece às vezes, quando lembro de mim. É como um portal, está tudo ali, ainda que nem sempre na ordem ou tempo desejados. No entanto, há paz disponível, cantis com água boa, algum cheiro de terra, uma espera sem impaciência. Estive distante, milhas de casa, cercado por mares e marés, meu lar eram lugares. Uma árvore, uma ilha, a pipa confirmando a existência do céu. Era simples, livros poucos, muitos encontros e uma vontade invencível de conhecer a fonte da vida, beber do seu igarapé fundamental, líquido e incerto. Tristeza havia, porque não? Quem suporta algo alegre em tempo integral? Talvez somente aqueles que se iludem com histórias felizes para sempre. Corria muito e posso sentir agora o aroma inesquecível da cozinha, a consistência saborosa de comidas deliciosas não por elas mesmas, mas por serem preparadas em quase festa por mãos de mãe, chamar por mãe e ouvir “diz, filho”, minha nossa. Como achei que sobreviria sem isso vida adiante? Ou que não haveria nada mais importante, como poderia saber? Ainda assim acontece, às vezes. Contar consigo mesmo é fundamental. Mas é mais fácil contar consigo mesmo sabendo que se tem alguém com quem contar histórias, compartilhar memórias duplas. Um descreve algo. Então, vem o outro e descreve o mesmo fato de uma outra janela, um olhar distintamente igual. É um portal onde se entra, se partilha, somos todos da ilha de Lost. Nossos medos não nascem pelo desconhecido da viagem, mas pelo conhecido do destino. No entanto, ele é bom. Às vezes silente e calmo como o encontro de todos os amores. Em outros momentos, apenas são o que são.