
Uma vez fiquei horas dentro do Lami, um riozinho do Guaíba, procurando minha primeira bicicleta. Ela se chamava Yara, assim com Y e nunca a encontrei. Esses dias conversei com Cristovam Buarque, o educador. Ele estava gravando um comercial que tinha roteiro meu. Foram momentos intensos, desses praticamente felizes. O riso de quem amo tem um pouco de acanhado, um tanto de reflexivo, vem de um lugar que não é a boca. Ela ri num reflexo de alma, acontece iluminando. Posso presenciar mil vezes a chuva acariciando a terra seca. Mesmo assim, o cheiro da terra molhando se transformando em cheiro de terra molhada será único de mil jeitos diferentes. Tenho uma amiga inglesa e estamos longe, longe, longe de dominarmos um o idioma do outro. No entanto, fomos capazes de conversar sobre as bases filosóficas da dialética marxista por horas. Há lugares por onde passo que despertam em mim o instante exatato em que passei. É como se passando, o presente se olhasse num espelho e visse o beijo, o tombo, a gargalhada, o assombro, o medo, a chuvarada, o sol vindo, a ideia nascendo, o passeio de mãos dadas, o chá, a árvore de estimação e a própria lembrança de cada estação. Sthephen Hawking em “Uma Breve História do Tempo” se pergunta se ele (o tempo), teve um início e se haverá nele um fim, compreendido como final. Acho que tem, mas num viés de significado: o fim como objetivo, meta ou legado. Penso que o fim do tempo é não esquecermos o nosso fim. Não de onde, mas para que vim. Não quem sou, mas tudo que pode me tornar pleno. Não para onde vamos, mas se nossa caminhada alegra o caminho. Não é preciso sim para tudo, nem não é algo impronunciável. Talvez viver seja uma plantação de lembranças, sementes de histórias e encontros dissonantes. Que seja nossa melhor memória e traga o sabor inigualável do instante que nos tormamos o que viemos fazer.