Canto II

“O tempo está suspenso” foi a melhor explicação que recebi de alguém sobre a humanidade nesse instante. Parece que nada se move, ou que tudo se movimenta para lugar algum. É um seco sertão, uma seca feita de saudades. O tempo suspenso tem o ar sufocado por suspiros, falta de senso, presenças imprescindíveis e o parto difícil das ausências. Tempo suspenso, exaspera. Se cobre de esperas enervantes, se desmantela, o insaciável brincando de estátua. Quando é a hora própria, em que momento começa o nosso agora? Como construí-lo em silêncio? Tempo suspenso é suspense.

O eixo de algo é mais importante do que o algo em si. Se o inóspito não permite uma direção, é preciso pari-la como quem deseja clarificar a existência. No meio do caos do tempo suspenso há um farol de aragens, a brisa do entendimento sobre tudo que desorienta. É preciso habitar o jardim secreto dos portais e reafirmar o que se tem de precioso, emocionante e de valor. Acho que é assim que venceremos o tempo suspenso: sutilmente.

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe
E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce, yeah
Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti
Dentro de ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti,

InQuantum

Quantum é só uma medida. Não tente aplicar lógica ao que há de infinito

Um amigo foi visitar o Grand Canyon. Antes desse passeio, ele me veio com uma dúvida divertida: “Mariel”, disse entre intrigado e curioso, “quanto tempo é educado ficar olhando aquele nada enorme pra poder, finalmente, ir ao shopping de uma vez?”. Entendi ali que tudo que for desejado mas mantido como secreto, emudecido, tudo que obrigamos ao calado, o que banimos para o subterrâneo das almas, nada disso se dilui. Algo ali se mantém resistente, indestrutível, feliz ou infeliz. Que não será possível submete-lo ao invisível, nem condena-lo ao ostracismo. Meu amigo pode achar chatinho o Grand Ganyon ou insignificante um grão de areia. O que não vai conseguir é impedir que ambos existam.

Eu acredito que o tempo é infinito e imóvel para todos os lados. Como percebo, o que se movimenta são as inúmeras manifestações da vida, o que abrange da semente de mostarda à montanha de milagres invisíveis e necessários para que germine. O tempo é uma linha sem fim, imóvel e formada por trilhas intermináveis onde nos movemos. Nessas trilhas, os acontecimentos com os quais aprendemos o exercício contínuo de ser e de estar. Somos nós entrelaçados, somos nós refeitos, reconhecidos em si pela existência do outro, que existe a partir daquilo que fomos capazes de ver.

Moram no tempo cada uma das suas alternativas, as coisas que lhe são assemelhadas, os portais e o que existe no sempre. Nada nele é repentino, abrupto, desvirtuado de sentido. Senhor de si mesmo, construtor de destinos, juiz das certezas, um deus não imutável, certamente um deus imp rfeito, um gigante, um clarão, o eterno instante de te ver. E se vens, seremos atemporais. Se não vens, ainda assim teremos sido o que haveria de ser.

Não te pergunto ressentimentos. Em mim, sempre é tempo de você.

Época

Ser ou não ser não é uma questão, mas uma escolha. Você pode fazer um Natal inesquecível não porque é Natal, mas porque é inesquecível. Havendo verdade, o tempo honra teus desejos e traz presentes, ouro, mirra e uma camiseta do Inter vestida por quem você ama. É impossível ser e não estar, ser e não ser, ser e os dias passarem sem que isso te guie. Mandela ficou 27 anos preso. Como não era um presidiário, entrou para a história como o líder que nunca deixou de ser. Às vezes são necessários muitos dias, uma resistência intensa, alguma tristeza enganada pela pressa ou urgência. O que se tem não se perde. Sendo verdade, bastarão 15 segundos para que liberte.

Curiosidade líquida

A foto aconteceu no Quênia, mas perdi o nome do felizardo que fez o clique. A alegria está ali, intacta. Tem um chuá de criança. Há um refrescante momento que se molha. O corpo inteiro sorri. O motivo? Pode ser água brotando. Pode ser vida aguando. Pode um mergulho de cabeça na felicidade, um sim, um vem, um gosto, um rosto, uma voz, uma lembrança, um abraço misturando corpo, alma e a vida, tudo na temperatura ambiente.

Bom findi

Tem árvore que vai ganhar abraço. (e uns beijinhos)

Sobre palavras e silêncios, preciso te contar que as minhas precisam ser extintas se não forem espaço, abraço, sol ou aconchego. É isso que tenho a dizer porque é o que existe em mim para mostrar, confirmar ou descrever. Se chegam tortas, borradas, estranhas, cobrantes ou insanas não servem nem ao tempo nem ao portal de acesso específico, exclusivo e intransferível que está sempre em construção. Palavras cortantes, acusantes, diminuidoras ou pedintes não são bem-vindas. Vale o mesmo para aquelas que no espaço de paz que visitamos, descrevam qualquer outro artigo que não o bem e o bom contigo. Essas devem seguir para o exílio até sintam e sentindo sejam amor, amizade, afeto, riso, chocolate, bicicleta, gol do Inter, instante, arroz com siri, café de manhã, escurinho, cinema, pipoca, espaço de conversa, fé e desejo. Que o silêncio seja confiança, força, pensamento, crescimento, torcida. Que esteja presença, bolo de fubá, sabiá, beija-flor, árvore de estimação, alguma solidão, um parque, uma vista pra brisa e caminhar na fronteira do mar com a costa. Isso posto, não há espaço de dúvida escrita, dita ou silenciada. Que nossos ditos ou calados em todo momento sejam a dança suave do encontro bom da alma amante com a alma amada.

O presente de hoje é uma lembrancinha de talentos enormes e Antunes. De amores de Montes e carinhos do Carlinhos. Se alguém gostar, o dia melhora.

Em tempo

Achei a foto linda, gente olhando o tempo passar. Penso o tempo todo, abraço em tempo integral, juntos é sempre pouco tempo, separados é tempo demais. Entre o tempo de espera e o tempo de chegada, há o tempo dos portais onde o tempo é uma marcação, um anúncio de que há o tempo todo do mundo onde estaremos juntos, vendo o tempo passar. Recebeu? Receba, é sempre o tempo todo.

Azul da minha alma

Num portal, te diria ai que saudade de ti. Então te abraçaria, vencida a estrada, o muro e a guarita e voltaria a dizer, ai que saudade de ti, azul da minha alma. Já disse hoje? Então está dito e recebido.

Guri


Cuido de um menino que mora na rua da minha vida, perambulando entre a praça e o colégio. Corre nas vielas, morrinhos e riachos de um bairro lá longe. Espiando jogos no campinho ao lado da igreja com tijolos à vista, o garoto vive aos pulos como todo moleque. É craque. É piloto de Fórmula 1. Canta na TV. Inventa aviões e trajetos mágicos. Cowboy, xerife, espião e lavador de cavalos de corrida, o moleque também é campeão estadual de corrida de costas e mecânico oficial da Ximbica, um velho Jipe DKW que mora na garagem de um lugar distante.  

O visito às vezes e conversamos nos shows onde é astro. Ou no vestiário do Inter, onde joga. Ouço suas entrevistas na Rádio Lua Nova, em exclusivas para o repórter Porter. Participo das suas rodas de conversa sobre a vida, seres intraterrenos, técnicas avançadas de suspiros, soluços e outros sentimentos invisíveis aos naturais da Terra, esse planeta onde viaja inspirado pelas curvas do sol, essa massa dirigida por almas enluaradas.

Volta e meia, preciso vê-lo por uns dias e quando nos encontramos, é tempo de festa. Tagarela, a criança que cuido gosta de melancia, manga e sorvete de flocos. Anda descalça, calção azul e usa uma camiseta branca surrada, onde é possível ver o símbolo de um colégio esquecido, onde a Professora Rosana lecionava letras.     

O meninote dorme no andar de cima de uma nuvem chamada beliche, que flutua perto de uma escotilha de um navio que não está mais lá. Como também se foi a árvore que dava uvas do Japão, de onde se podia ver o sol da Escandinávia e acenar para os dançarinos mirins bolivianos. São espetáculos sem hora de início. Acontecem entre espreguiços, bocejos e chás de hortelã, a marca do destilado mais forte desse espaço nascido antes que surja o amanhã.

O piazinho é bom de conversa e anda lépido entre artistas, malandros e outros tipos em desalinho. Daria bom publicitário, ou filósofo, escritor ou algumas dessas coisas que exigem certo angustiamento e poder de síntese.

Não me preocupa quando ou como vou até ele. Acessá-lo é fácil, e sempre sou bem-vindo em suas histórias cheias de fogões a lenha, fumaça na chaminé, cães vira-latas, gente paraguaia, guarânias, vanerões, Beatles, riachos e estradinhas sem asfalto. É onde a chuva flerta com o tempo e produz um aroma inesquecível:  o cheiro de terra molhada.

Seu gosto é o oposto aos cigarros de cravo, música sertaneja, batidão, cachorro em shopping, bolsas falsas, carros rebaixados, bicicletas com som, gente que diz “me passa um zap zap”, motoristas que ligam o pisca alerta e dão o assunto por encerrado, além dos gremistas, que sempre torcem para o Inter errado. Por isso, quando ele vem, fico atento. É sinal de alerta as lembranças que traz na parte traseira da velha bicicleta dourada. Surge quando lhe roubam a crença na inocência, somem com a graça do pega-pega ou no instante em que os laços que nos unem são colocados em perigo. Nesses momentos extraordinários, o pequeno me convida para soltar pipa, dormir no quintal ou a fazer parte do clube interplanetário dos andadores de patinete. É quando penso sobre de onde vim, onde estou e para onde vou, as perguntas clássicas da Filô. Não há respostas prontas, nem rápidas, nem mágicas. É o instante encantado de um encontro comigo mesmo. Procuro viver de um jeito que este momento seja pleno, rico e poderoso o bastante para que o garoto que vive comigo esteja à salvo do perigo de uma vida sem o prazer do amor consciência, sem a confiança no amor resistência e sem a persistência do amor presença.  

Portal

Em portais não existem enigmas, só revelações

Portais não são lugares, nem precisam de espaço para existir. Vivem no hiato contraditório dos contratos e habitam na contramão dos juramentos. Não sei se pode ser acessado por uma pessoa apenas. Então imagino que tenham sido concebidos para receber seres em seu momento mais pleno. Aos pares, conectados, duas por vez, duplas em consonância, almas ensolaradas de si mesmas e se aquecendo mutuamente. Assim, em um ambiente onde amor e crença dançam sua dança, a vida se veste de encontro, inspirando tudo que esteja pronto para se tornar acontecimento.

O meu portal de estimação é quando vens. Tua chegada me mantém feliz, surfando na saudade. Feliz e de azul. Feliz e com o aroma de terra molhada: fico feliz até o nariz. Decoro cada dito, o que não é difícil: você fala quase nada e eu, você sabe, sou das palavras. De qualquer forma, renasço e renasces. Completamos nossas frases, os abraços são longos e os olhares continuam tagarelas, acabam nos contando tudo o que se passa.

Acho que somos do mesmo molde e da mesma massa que deu origem ao Big Bang, que compõe canções, produz luas e suas almas enluaradas. Cria o carinho onde brinca estrelinha, inspira marés, suspira rios, habita desertos, transita espaços e decora os dias com a realidade que escolhemos.

Então olho no céu e nas plantas, na filosofia e nas crianças e recomeço todo os dias, honrando quem me viu nascer para o amor que me abraça, para o amor que me alcança e para o amor que me descansa no portal da confiança.

Cheiro de terra molhada

colunaComeça do nada, o tempo seco, a terra inerte e cheia de pó. Primeiro, a brisa chega (leve, dançante e alegre, como as almas amantes). Em seguida, acontece um encontro inexplicável. É a saudade, até então exilada no céu, que se lança ao chão que só conhecia -até ali- o pó e nisso acreditava. O que ocorre é o encontro dos contrários, libertando o silêncio da escravidão das palavras. É um momento oceânico, gota a gota. Uma conversa entre a vida e seus extremos. Acontece naquele momento em que a chuva ainda não começou, mas já é chuva. Ocorre na precisa hora em que a terra recebe um líquido inesperado e agradece, num sorriso só aberto aos atentos de todos os sentidos. Quando a água toca a terra, nasce algo que é a soma das duas. É uma canção, um presente, a calma vestida de urgente, o eterno do amor revelado num instante. Uns chamam de chuva. Eu chamo de sempre.