Ganhei o dia, sorri de alma, dormi feliz. Um presente é símbolo de presença. Diz “pensei em ti”, fala “somos amigos”, declara “o emprego é teu”, revela “eu te amo”, define “é o que somos”, promete “estamos juntos”, afirma “nossa travessia”. Qual presente te tocou? Qual presença te faz bem? O que sente quando chega? Pensar nisso, mostrar-se grato, engrandecer os fatos, tornar-se presente. É isso que faz diferença e se transforma na gente.
A presença de hoje é uma canção carinhosa com Paulinho e Marisa.
Alma, anime-se e aninhe-se. Temos van Gogh, vick vaporub, risos e a palavra “amiúde”. Presenças, presentes, grandes ausências, um chinelo antigo (e adorado), o Papa argentino, o Chico que canta “quem é você, diga logo se gostas de mim”. Dispense o motivo, motive a esperança e acenda a luz na sala, na cozinha e na varanda. Beba um gole de vinho, able com um estranho em espanhol, caminando en la hierba. Plante um livro, leia uma árvore e sintonize uma rádio AM em Nairóbi. Tome um sorvete de sabor diferente. Se derreta, quebre o gelo, aqueça. Trepe numa goiabeira, mesmo que você tenha pensado outra coisa. Entre e fique à vontade. Modéstia à parte, orgulhe-se, salte, pule, ligue o som no último, invente uma palavra tipo funfla, se deite na bagunça, afunde no sofá. Tome um chazinho quente, experimente, ali adiante tem uma rua, dobre a esquerda, ria da direita, acesse um fliperama, diga que a ama a quem ama. Não se acanhe, lance uma moda, dance, dance, dance ou ande de bike num domingo à tarde. Cante no chuveiro, note a falta de alguém, comunique que hoje não tem janta, mesmo que o certo seja jantar. Faça sucesso, eleja o um excesso de estimação, abrace um desconhecido e converse na lingua do P. Fale, intua, cale, acalante. Fique, siga adiante, descompromisse tudo o que puder. Lide, vide seus verso, viva sem revidar, valide, imprima, resista, habite-se.
Nem é um presente, é só uma lembrancinha.
Vania Abreu e Marcelo Quintanilha em show ao vivo.
Sempre achei palavras algo poderoso. Vivo rodeado delas e não seria o mesmo sem a presença de cada uma. Anoto as que não conheço, as amonto para descrever o que vejo ou vivo, invento significados, estabeleço origens, nos divertimos juntos. Algumas são alegres e saltitantes como eba!, assim seguidas de exclamação. Outras parecem não gostar de movimento, acho mesmo que preferem uma quietude silente, solene e suspirante: falo de saudade. Preguiça é uma palavra que vive bocejando. Correria está sempre apressada, não entendo sua falta fôlego. Fato tem certeza absoluta. Afago é uma palavra genérica para afeto. Parabéns é sorridente. Longe mora em outro lugar. Resposta vive se perguntando. Ausente sente falta de algo. Presente às vezes é presença e noutras, lembrança. Inter quer dizer infância. Amigo não precisa dizer nada. Silêncio mantém a expressão em cárcere privado, mas é mais eloquente sendo voluntário. Alegria é o apelido de Deus. Perdão é o amor retroativo. Tempo é o sempre em movimento. Eterno é qualquer coisa presa no pra sempre. Hoje quer dizer chance única, nascimento, festa, encontro, prece, pão de queijo, coca gelada, chocolate, livro, espaço, comemoração, riso, vida traduzida, caminho seguido. Hoje não é dia de palavra aflita. Esse dia é tudo que ele significa. Como abraço e amor vão junto com quem foi e permanecem com quem fica.
Por hoje, direi não às canções cansadas e tristes. Então, talvez, possa caminhar tranquilo pelas horas e suas pressas, abrandando gestos e silenciando o passado. Antes, isso é importante, será precioso agradecer aos dias que se foram por tudo o que foram, permitindo que partam felizes e em paz consigo mesmos.
Estarei só e livre do que não me pertença e de qualquer coisa que me possua. Lembranças, pessoas, expectativas, razões absolutas, autopiedade e certezas gerais. Indulgências, heroísmos, menosprezos, pesos, esperas e esperanças. Seremos eu e minhas travessias, contos e canções, menos as cansadas e tristes.
Vou olhar com carinho eterno para todo tipo de existência. Permanecermos conectados pelo entendimento gentil sobre tudo que não foi compreendido em seu valor, importância ou dimensão. Conhecerei a mim mesmo, despertando assim a humanidade com canções que não sejam cansadas e tristes.
Por hoje, libero sentimentos prisioneiros. Desamotinados e reconhecidos em sua sinceridade e existência, terão direito pleno às primaveras, se forem esses os seus desejos. É a estação dos reinícios e ali marcharão na plenitude dos reconciliados, se transformando em trilhas, cometas ou canções, mas não as cansadas ou tristes, que terão um destino mais nobre pelo tanto que significaram.
Seus acordes acordarão um universo esquecido, povoando de ritmo uma nota antiga, primária, essencial. Despertadas, serão inspirações itinerantes, parindo (descansadas e alegres) as canções que não puderam nascer antes.
Começa do nada, o tempo seco, a terra inerte e cheia de pó. Primeiro, a brisa chega (leve, dançante e alegre, como as almas amantes). Em seguida, acontece um encontro inexplicável. É a saudade, até então exilada no céu, que se lança ao chão que só conhecia -até ali- o pó e nisso acreditava. O que ocorre é o encontro dos contrários, libertando o silêncio da escravidão das palavras. É um momento oceânico, gota a gota. Uma conversa entre a vida e seus extremos. Acontece naquele momento em que a chuva ainda não começou, mas já é chuva. Ocorre na precisa hora em que a terra recebe um líquido inesperado e agradece, num sorriso só aberto aos atentos de todos os sentidos. Quando a água toca a terra, nasce algo que é a soma das duas. É uma canção, um presente, a calma vestida de urgente, o eterno do amor revelado num instante. Uns chamam de chuva. Eu chamo de sempre.