Bom mesmo

De quem foi a ideia do sinal vermelho no fim de tarde?

Bom mesmo é o encontrar uma ideia, olha eu aqui, diz a própria para o seu caçador. Não se trata de algo especialmente diferente de costurar ou escrever ou preparar uma aula. Para encontrar uma ideia é preciso amar a curiosidade, dormir com ela, escutar o que diz e como quer ser descoberta. Se vagarosamente, quem sabe de modo abrupto, de um jeito requintado ou no modo vem cá que tô mandando. Uma ideia adora brincar de esconde-esconde. E se entrega, facinha, a quem procurar direito.

Bom mesmo é abrir o chuveiro e uma Itaipu de água se derramar, entre quente e fria, na hora certa do dia. Um banho meio que dissolve o treino, determinada o fim mental de uma reunião, acaba com cansaços gerais e coloca um ponto final na secura dos corpos. Banho de chuva também é bom. Banho de bola é ótimo se você está no time certo. Banho de sol, um sinal de férias. Banho de lua tem que saber tomar. Voltando à ducha, chuveiros pequenos e elétricos são um atraso e nunca sabem a temperatura certa a oferecer. Se alguém tenta acertar, precisará enfrentar aquele barulhinho amedrontador de eletricidade misturada à água, o que torna tensa a experiência. Daí, voltamos à necessidade de um banho tipo Itaipu.

Bom mesmo é ouvir sem pedir, de quem se quer ouvir sem ter que pedir. Uma declaração sem tradução, algo direto e que dispensa sinais, interpretações e intermediários. Poder ouvir os sinos, perceber a vibração das badaladas, saber que são 6 da tarde (que é quando o sino toca) chamando os fiéis que se reconhecem crentes em algo. Ele sinalizará o tanto de vezes que representam o horário onde estamos no tempo. Então nos encontraremos na igreja dos dias em comunhão, sabedores únicos do mistério dos afetos que nos unem em fé e construção, nos confessando, nos declarando e nos recebendo sem precisar de hóstias.

Bom mesmo é encontrar o controle remoto numa dobra do sofá. Melhor que isso é perder-se um pouco na cidade, um tanto nas ruelas com árvore, outro em esquinas que nem sabíamos sobre a existência.

Bom mesmo é leite gelado com sucrilhos. Sorvete de flocos. Café no copo de vidro. Trechos de livros. Saudade do vivido e não do que poderia ter sido. Canções, bom demais. Camiseta regata. Serenata. Incertezas. Entender um pensamento. Ler em dupla. Conhecer o outro em suas lutas. Estar ao lado na trincheira. Sublinhar um trecho que arrebata (porque aponta direto para amar o outro também no seu direito de existir em bilhões de diferenças):

Poucas vezes pensava em si mesma. Estava sempre na urgência do outro ou na vigília do passo alheio

Bom mesmo é poder chegar e dizer cheguei porque vim. Estou porque sim. E se acham que viver é um espaço limitado no tempo, a vida não há de concordar com tamanha redução. Viver leva uma vida. Não porque acabe, o que não é nem um pouco provado. Não porque acabe: pouca coisa no mundo é sempre. Não porque siga, o que também é suposição. Sim, porque nos coube decifra-la naquele instante que tivemos, nos tornando descanso de braços, água Clara, desejo na fonte, fontes de desejos, pães de queijo, chocolate, café preto antes das 4, feitura conjunta, risadas, seriedades, limonada, salada, pés que se movimentam antes de dormir, cama gostosa e uma história cujo enredo é bom mesmo de estar.

Oh, oh, oh

Tem que ser por que é bom estar.

Viva a surpresa pelo nada, um lugar que tenha vento e porque venta te alegra. Bem-vindo seja o simples, o 2+2=4, o beijo na boca de quem se quer. A bicicleta barra circular, o torcer por torcer, o viver porque é bom, um gol do Inter. A preguiça, o bocejo, o banho de chuva, um canto escuro e seguro da cidade lá longe. Viva o filme onde o casal que se ama fica junto, o dia de sol, o vira lata, a cadeira de leitura, o romance fácil, o não ter que entender porque está claro. Pelo fim da conversa fiada, do jogo, da opinião balizada, todo poder ao nada pra fazer, o passeio, o recreio e a topada que tira a tampa do dedão, viver pressupõe cicatrizes. Viva almôndega, escondidinho, bife com cebola, lição de casa. O coração acelerou? Cumprimente-se, a vida é pra quem se entusiasma, se motiva, se rasga, dá vexame, responde errado, não reage bem, esquece a data, odeia barata, vai à nocaute, tenta, tenta, tenta. Se levanta às vezes cantando, dorme às vezes chorando, sabe que existir tem muito às vezes. E por falar em saudade, onde anda você? Não confio em quem não tem pelo menos uma meia furada. Em quem sempre ganhou, sabe todo o processo, entende o outro lado, que fala muitas vezes coisas como gratidão, inexorável, empoderamento. Viva a funfla (aquela coisinha dentro do umbigo), dormir até tarde, não saber que horas são, esquecer os nomes, falar palavrão, não gostar de salada. Sabe o que quero dizer quando te digo minha amada? Que você é minha amada, mais nada ou ninguém. Tudo bem gostar de Fanta Uva, de suco de abacaxi e não de cerveja ou vice-versa? Chega de conversa, pega teu patinete, viva o tobogã, não saiba de nada, joga tudo pra cima, o que Deus pegar é Dele. Quando a gente tá dormindo, a alma distingue de noite ou de manhã? Obrigado a quem inventou o ventilador, a quem desinventou a dor e descobriu o relaxante muscular. Bem dito talento do cara que faz bons fones de ouvido, o botão reserva nas camisas, o tênis sem cadarço, a Bic e o pinguim de geladeira. Viva o churrasco de igreja, o campinho na praça e sim, às vezes a vida é no tapa, é me dá aqui, o me deseje, o te festeja, o seja, vem buscar, o me beija, tô com fome, some, o sem sacramento ou igreja. Eu não sei se Deus existe. Então que o simples me diga assim seja.

O presente de hoje é uma propaganda da Coca. Observem as reações, o olho abrindo junto com o riso, a surpresa, o simples da imaginação, o imaginado, o imaginário, viver é mais uma profissão de fé e menos relicário.

Revoada