Em algum lugar do tempo

Estou aqui, no outro lado das manhãs, onde Dylan canta “Once Upon a Time” na minha sacada. Não é uma canção para principiantes como eu, um Shrek confesso. Sou incapaz de capturar as sutilezas da letra ou mesmo de compreender as gentilezas da canção. Ela tem uma tristeza que sorri, um riso que convida a amargura pra dançar e flerta com o que houve de bom no dia. É um dialogo suave, livre da proximidade que nos tira a noção do todo, é uma história contada muito depois de havida. Escrevi tudo isso só para te tranquilizar: não sou tão Shrek assim. “Once Upon a Time” veio cantar que todo encontro carrega sua própria despedida. A linda tradutora me trouxe uma leitura poética do título da canção. No lugar de um simples “Era uma vez”, um luxuoso “Em algum lugar do brokenhearttempo”. Afinal, fala da vida e de seus acontecimentos inusitados, suas miragens, seus pequenos milagres. Bolo de fubá. Domingos ensolarados. Joelhos esfolados. Física quântica. Caminhadas em noites silenciosas. O encantador chuá marítimo e a brisa de cada estação. Pão de queijo, chocolate, gol do Inter. Ficamos urgentes de encontros, suspiros, tardes mansas, o gosto de manga, resgates surpreendes e um pouco de dança. Diante da desistência covarde dos farsantes, da angústia dos posts, das opiniões definitivas, dos amores desperdiçados. Apesar da existência dos tratados internacionais, das missões, dos mísseis, dos miseráveis, das multidões de exilados, dos milhões em lambança, o mundo precisa mesmo é colocar os pés em algum lago gelado e acariciar suas esperanças.

Por isso, aqui do outro lado das manhãs onde lembro de ti, aceno e te recebo como uma parte fundamental do que sou. Compreendi que é inútil tentar encontrar o que não foi perdido ou esquecer o que não foi vivido. Viver é uma escolha onde nasce a impermanência. Que seja intensa, mesmo que vaga. Que seja imensa, ainda que por um momento. Que seja vivida tanto e de tal forma que sobreviva a nós e se glorifique em algum lugar do tempo.

Sempre

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Tempo é o templo de tudo que não passa. Melhor não confundi-lo com o que existe de eterno, esse lugar onde é terno pensar em que termos vivemos o que passa. Que adornos damos às coisas que serão mais dia, menos dia, reféns das nossas lembranças. Um café, um brilhante, aquele poema ruim, nada disso tem espaço no sempre, cujo acesso é permitido ao que não seja impermanente.  Para entrar nesse tipo de portal, jogue fora os partidos, esqueça os pedidos de vistas, reveja os processos, e o que sobrou? Se a resposta foi nada, continue cavando, raspando, olhando e insistindo porque restar não pode ser tudo o que nos resta. Porque o tempo não pode ser dividido, nem poupado, nem multiplicado, todo tempo é exatamente incalculável. Todo tempo mentido é tempo perdido. Todo tempo fingido é temporal preparando enchentes. Que o tempo seja livre. Que o tempo vista tudo que vive. Que meu tempo seja um até breve, um riso livre e um espaço marcando o lugar que vivo onde respira o broto inconfundível do sempre