Depois dos temporais

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Daqui de onde te escrevo vejo muitas árvores. Pela quantidade de pius, não estamos em falta de ninhos, nem de pais-passarinhos super atarefados. A cena tem a mágica de uma alquimia intensa. Primeiro, transformou-se de brisa suave em tempestade furiosa num zapt. Depois fez exatamente o contrário, silenciando trovões, acalmando ventos e as almas da mata, lugar que só entro depois de pedir licença e me sentir autorizado. Sim, sou desses que acreditam que os elementais têm a chave dos portais, que eles habitam em todas as formas de inspiração e que estão em tudo que pulsa, sente ou pensa. De qualquer forma, como acredito, nada que existe ou inexiste depende de mim ou das minhas crenças. Não sei porque, mas acho que a chuva é Deus fazendo geometria e balanceamento na natureza. Há o atendimento à sede na terra cheia de saudade das águas, o verão aplacado em suas paixões, o inverno reconhecido em seus silêncios solitários e a primavera em seus renascimentos espetaculares. Somos um instante de tempo em movimento. Nesse exato momento nos lemos, nos descrevemos, nos reconhecemos, nos perdemos, vagamos, vamos, chegamos e partimos. É assim ou por isso que nos perdemos, nos amamos, nos encontramos e somos a expressão daquilo que demonstramos ou que deixamos inexpressado, mesmo que seja uma verdade. Entendi que também existo pela união das nossas humanidade, sempre tão repleta de sentimentos densos, deixados ou incompreendidos em sua extensão, origem e destino.

Aqui de onde te escrevo, já não te vejo e mesmo assim quero te contar uma descoberta. Ela começa com essa pergunta: e se os dias fossem de nossa autoria, qual parte seria? Eu, final de tarde. Vivendo entre inícios, afim de infinitos, sem nada da noite e com tudo de todos os dias. Eu final de tarde, no início do princípio, ali na fronteira enluarada da vida. É daqui que te descrevo os mistérios, os silêncios os murais. Um beija flor me trouxe um beijo. Não sei se foi você. O que sei é que não o ganharia se fechasse a alma para o mundo, seus dias amenos, os verões intensos e seus muitos temporais.

PS

Bom ano, queridos.

Vamos nos vendo,

vamos nos lento:

2017 será um tempo

ímpar.

 

instantes

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Cheiro de terra molhada

colunaComeça do nada, o tempo seco, a terra inerte e cheia de pó. Primeiro, a brisa chega (leve, dançante e alegre, como as almas amantes). Em seguida, acontece um encontro inexplicável. É a saudade, até então exilada no céu, que se lança ao chão que só conhecia -até ali- o pó e nisso acreditava. O que ocorre é o encontro dos contrários, libertando o silêncio da escravidão das palavras. É um momento oceânico, gota a gota. Uma conversa entre a vida e seus extremos. Acontece naquele momento em que a chuva ainda não começou, mas já é chuva. Ocorre na precisa hora em que a terra recebe um líquido inesperado e agradece, num sorriso só aberto aos atentos de todos os sentidos. Quando a água toca a terra, nasce algo que é a soma das duas. É uma canção, um presente, a calma vestida de urgente, o eterno do amor revelado num instante. Uns chamam de chuva. Eu chamo de sempre.

Carta aberta aos meninos da seleção

Meninos, saibam que eles chegam, devidamente acompanhados de suas certezas absolutas, Estão por todos os lados, os que sempre sabem exatamente o que fazer, como agir, o que falar. Eles tem um mantra: “eu avisei”. Não tremeriam diante de um adversário mais poderoso, mais preparado e melhor. Nem gaguejam, não tropeçam no cadarço, não têm tatu no nariz. Ele têm direito à vaia porque jamais esquecem de nada, se antecipam e são precavidos. Ninguém sabe como conseguem ter as rotas todas impressas, as conversas repassadas. Nem que tempo usam para treinar tanta sabedoria, os eles todos, esses que não fariam nada daquilo, que diriam tudo na cara e nunca, jamais teriam algum traço de dúvida.

Como será que se aprende sem o furo, sem a parte escura dos dias, sem as alegrias de um remendo bem feito? Qual virtude existe na canela sem cicatriz? Não há glória na derrota, mas pode ser glorioso o que se faz com ela. Aos 54 anos do meu segundo tempo, digo sem medo de errar: se fosse vocês, eu teria muito medo de errar. Penso que choraria antes, durante e depois do hino. Que não conseguiria entrar em campo, marcar alguém, correr. Ficaria paralisado caso 60 mil pessoas resolvessem me apoiar. Quando aos que vaiaram, acho que são um bando de traíras reunidos num amor condicionado ao sucesso. Que exigência é essa, onde só presta quem ganha sempre? Quem consegue viver sem errar o pênalti, a frase, sem perder a chave ou sofrer por besteira? Quem nunca tomou uma rasteira, não percebeu a tramoia, nem perdeu a namorada? Quem nunca teve um apagão, não soube o que dizer, esqueceu a senha na boca do caixa, soltou um pum sem querer, ou usou um sapato novo com a etiqueta aparecendo? Eu não preciso da seleção para amar ou odiar o Brasil. O meu país não fica maior se um time seu foge à luta. Torci pelos meninos e dessa vez não deu, vão brincar que essa dor já passa. Mas os donos do olimpo não perdoam o que existe de humano nas quedas, mesmo as volúveis como as esportivas. Na verdade, eles têm medo de saltar, naufragar e morrer na inanição que os mantém vivos. A vista, aqui do meu ponto, pondera que o pavor certo talvez devesse ser outro, o de existir num tédio bem decorado e com vista para o mar. Então, inexpressivos, viveríamos à salvo de naufrágios não porque enfrentamos as correntezas, mas porque evitamos (prudentemente) a aventura de navegar. Então, meninos, esqueçam os falsos comandantes, os reis do marketing, os caras dos discursos emocionantes. Eles queriam isso, justamente isso, pra poder olhar para a câmera e dizer: “bem que eu avisei”

O lado sempre da lua

O lado sempre da lua

Sempre

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Tempo é o templo de tudo que não passa. Melhor não confundi-lo com o que existe de eterno, esse lugar onde é terno pensar em que termos vivemos o que passa. Que adornos damos às coisas que serão mais dia, menos dia, reféns das nossas lembranças. Um café, um brilhante, aquele poema ruim, nada disso tem espaço no sempre, cujo acesso é permitido ao que não seja impermanente.  Para entrar nesse tipo de portal, jogue fora os partidos, esqueça os pedidos de vistas, reveja os processos, e o que sobrou? Se a resposta foi nada, continue cavando, raspando, olhando e insistindo porque restar não pode ser tudo o que nos resta. Porque o tempo não pode ser dividido, nem poupado, nem multiplicado, todo tempo é exatamente incalculável. Todo tempo mentido é tempo perdido. Todo tempo fingido é temporal preparando enchentes. Que o tempo seja livre. Que o tempo vista tudo que vive. Que meu tempo seja um até breve, um riso livre e um espaço marcando o lugar que vivo onde respira o broto inconfundível do sempre

Palavras de lua cheia

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Essa mania escrita, a palavra dita um terno falar sobre o eterno que passa, isso me acalma enquanto desoriento as palavras. Penso um tanto nos tantos desencontros e nos desencantos que trazem consigo. Há dias esperando um bilhete, há horas aguardando mensagens, anos de aguardente, anos de guardanapos, bilhetes pra si mesmo, flores em seu nome, lembretes. Essa mania de manter a palavra alerta, o verbo atendo, a espinha reta, um treino cotidiano de não curvar-se, isso ainda me acorda toda noite, o peito ensopado, o coração ofegante, são palavras não ditas, engasgadas, impedem a passagem do ar, entopem as veias, o coração bate mas estranha a cadência, bate outra vez, tudo está por um triz, um por cento, um aprendiz, uma cena feliz, um beijo, um gol do inter, o encontro das coisas, a resposta do amor, o mar da tranquilidade lunar, a lida que tudo é lavra, o peito aberto, a lua, a terra, a vida e suas palavras.