Ao trabalho

Hoje é sexta, eu não gosto muito de sextas e tenho meus motivos. Como esperar ansiosamente por algo que nos separa? Sextô! parece ser o grito de guerra dos aflitos com o trabalho que têm. Dois dias nos distanciando de uma rotina autoimposta, do trampo e da correria, cujo resultado é o faz-me rir. Mas a gente não pesquisou, não foi à entrevista, não fez dinâmica de grupo, não respondeu que bicho seria se fosse outro bicho que não um humano? Não comemorou o telefonema da aprovação e -de livre e espontânea vontade- não começou a fazer o que estava combinado que faríamos?

Tenho sido cada vez mais feliz com o que faço, então assumo ter mesmo uma dificuldade em compreender a alegria do sextô! Mas me acompanha aqui, veja o que acha. Ser feliz não quer dizer ser feliz sempre ou com tudo, nem em tempo integral. Está mais para se entregar aos processos criativos, cavocar em si mesmo as razões subjetivas de qualquer coisa, observar determinadas reações, entende-las ou abrir mão delas, esmiuçar as pesquisas, garimpar algo original, entender um problema e parir uma solução, minha nossa, isso é bom demais e ainda me pagam.

Faço o que gosto há muito tempo. Mas também adorava abrir um consultório de dentista e atender o telefone, marcar os horários. Digiteis centenas de TCCs na área de psicologia quanto trabalhei na PUC. Aqueles textos me abriram um mundo de ideias sobre comportamento, emoções, gatilhos, nunca mais parei de ler. Meus primeiros textos publicitários foram nos talões de cheque de uma agência. Eu preenchia os pagamentos a serem feitos, inclusive para redatores, diretores de arte ou de criação, pessoal de estúdio. Lembro que colocava bilhetinhos divertidos, frases espirituosas, aquilo me levou para a criação. Antes, cobri jogos que ninguém queria, fui a shows que refugavam, escrevi para TV, redigi discursos, roteirizei programas de rádio, dormi em vans e quer saber? Cada coisita dessas me trouxe ou me encaminhou para lugares no mínimo interessantes. 

Vejo hoje que ganhei pouco ou menos que poderia. Que fui um diretor de criação bem meia boca no início. Que muitas vezes não tinha a mais vaga noção onde aquele projeto ia dar. Dei sorte porque encontrei gente incrível para caminhar junto e porque me livrei de quem se achava a manteiga com sal no pão de grãos.

O que estou tentando partilhar aqui é que de alguma forma, gostei das coisas que fazia e isso tirou (acho) o peso que alguns trabalhos tinham. Às vezes ainda sonho com os textos da PUC, lembro de trechos. Recordo das pessoas que iriam se formar dali há alguns dias, mas que estavam naquele agora discutindo os caminhos de um raciocínio comigo, que não era graduado em nada. Eu gostava de sentir o ritmo das ideias, o conteúdo dos argumentos, as sugestões que as imagens traziam. Tudo me levou a escrever para você.

Acho a curiosidade a parte mais ousada de alguém, o ponto que distingue as pessoas. Não curiosos farão da sexta um objetivo de vida e sofrerão por seis dias não sequenciais: de segunda a sexta e, depois, no domingo. Que graça tem isso? Esse martírio não pode fazer bem. Também em nome disso, quem sou eu para não gostar de sextas? É um dia gordinho pelo nome, lembra cesta de pães. Ou um dia esportivo, remete a cesta de três pontos, o que dá um certo trabalho. Sexta não nos separa mais do que segunda, terça, quarta, domingo, quinta ou sábado. É preciso encontrar nos dias seus cantinhos bem-vindos, bater o dedão nas suas quinas e olhar as horas pelo que são: o tempo passando. Vale um pouco para qualquer coisa, penso. Tenho aprendido a editar vídeos, arrisco locuções, quero ser menos enrolado no que escrevo e talvez faça um curso para criar romances. Esses dias ganhei 100 dólares por uma entrevista para a Meta (do Face). Você pode imaginar o Mark Zuckerberg me pagando para saber o que penso? Tá, ele vai fazer disso milhões de verdinhas, mas me dá aqui os meus 100. Tive que entender perguntas em inglês e o meu inglês, você sabe, é daqueles bem pobrinhos, tadinho. Mas deu tudo certo, consegui e isso me alegrou.

Os dias não são fáceis, não se trata de um pick nick. As tristezas no mundo ganharam uma densidade quase paralisante. Não se pode menosprezar os acontecimentos, as perdas, as tensões preocupantes. Nos encontramos todos os dias de alguma forma. Da mesma maneira, nos desencontramos. É nesse hiato entre o conhecido e o novo é que nos colocamos em viagem. Então, um dia, o amor grita terra à vista! Convenhamos: isso é melhor que sextô. 

A locução é de um texto de Vladimir Maiakóvski, poeta-pensador Russo tipo peso pesado dos bons. A Rússia (reduzo eu) sempre me sugere frieza. Ele, no entanto, é todo coração, segundo o próprio. Espero que você goste, ***

Não me representam

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Não me libertem desse governo, nem de nenhum outro. Não lutem por mim, não marchem em meu nome, não me usem, não seremos amigos. Nem conhecidos, nem haverá risco de erro de afirmarem a meu respeito que desprezo seus métodos e metáforas, os acho grotescos, escusos, secos. Por outro lado, não os mataria, mesmo sem querer, mesmo tendo advogados e seus discursos ensaiados, mesmo possuindo causas aflitas, motivos justos, mesmo assim, não lutem por mim, peço. Não coloquem cartazes, nem vistam camisetas com imagens do Amarildo, o mesmo Amarildo que vocês -tivessem real oportunidade- acorrentariam a um poste.  Dispenso as máscaras, abro mão de toda e qualquer vantagem nascida desse argumento libertador, não subam em minhas costas para chegar a um poder que os fascina a ponto de se desfigurar a obra para  que ela tenha suas imagens, seus gestos e suas formas. Toda vez que gritam, me ensurdecem e deixo de ouvir as canções do Nico, do Herbert, do Chico, as canções que gosto. Toda vez que se reúnem, demoro a passar e perco um tempo precioso aos amores raros, às lembranças boas, bons abraços,  um momento de descanso dos meus  cansaços, que são tantos e que doem mais à medida em que me perco na tentativa inútil de entendê-los. Os nomes que reconheço como a primeira maravilha do mundo? Betinho e sua insaciável luta por milhões de pratos. Este serviu à vida, mesmo sabendo que em breve, a sua estaria desaparecida. Ele morreria, é fato, mas sem o fardo de não ter feito nada diante da falta de arroz, feijão e um bom samba de madrugada.  É hora de lembrar de Frei Beto, São Francisco de Assis e seu método revolucionário que era fazer o bem, de transformar o bem em caminho, de não se apropriar do bem, além de falar com passarinhos. À benção Chico Xavier e sua vontade impressionante de aproximar os que estão distantes.Hoje morreu um trabalhador morreu em plena lida. Morreu entre desconhecidos. Morreu entre desaparecidos. Morreu entre os que verdadeiramente devem ser esquecidos.