Bons amigos

Fico pensando sobre quando nasce um amigo, a possibilidade da amizade, o momento inaugural, quando ela inicia, quem corta a faixa inaugural daquele afeto sem afetação, de sentimento neutro, um ser com ouvido, ombro e sem sexo definido. Um bom amigo não tem olhos para os peitos, não desliza por eles, nem os deseja. Escuta, neutro, sobre o casamento? Escuta. E dá conselhos a respeito do melhor caminho a seguir para manter a relação rija e forte. Amigo é para as horas de apuros, desprovido de ciúmes, pau para quase toda obra e que aparece ou é chamado de vez em quando. Chega dizendo “há quanto tempo!”, e pronto, tudo certo. Amigo de fé e de fato é um bunker, a pessoa pra quem se liga às 3 da matina pra contar que conheceu alguém. Que perdeu alguém. Que perdeu-se da verdade que é amar alguém a ponto de não pensar -por absurdo- em lhe pedir em amizade. Amigo bamba diz na lata coisas que só amantes de um amor que abarca amizade são capazes de ofertar. Mas uma coisa é o amigo. E outra coisa é outra coisa. Porque amigo não se elege, é uma construção, uma narrativa. Ele surge depois que retiram do amante seu acervo de cantadas, arrancam qualquer faísca erótica que tenha, extirpam da boca os beijos e anulam seus objetos penetrantes, como a intimidade e o conhecimento sobre tudo que torna o outro um desigual, um raro, um absurdo inevitável, um alguém de quem não se quer ser amigo, mesmo que seja um bunker. Amigo de verdade tem amizade de sobra, inclusive aos fins de semana. E se vc não liga, ele não nota. Um amigo vai lhe apoiar em caso saúde em risco, lucidez em falta, perspectiva torta, hálito ruim, olho cansado, brotoeja, testemunhas de Jeová, cansaço generalizado, inapetência, incompetências, desajustes, juízo prejudicado. Um dos grandes baratos do amigo nato é que você não precisa pedir a pessoa em amizade, ela acontece, é bicho solto. E se precisa, tem algo que o prezado ou a prezada leitor ou leitura não entendeu como deveria. Quer ser meu amigo? Isso não é uma pergunta. É uma definição macro afetiva. A proposta pode ser ofensiva, caso haja um sujeito homem que ame a sujeita mulher, caso a sujeita mulher ame o sujeito homem ou os dois sujeitos tenham amor um pelo outro. Talvez a amizade resista depois do amor, não sei. Mas reconheço que amizade é um afeto fantástico. Como amigo, não aconselharia tentar ficar no setor amizade com alguém que se ama. Seria dar um prezo menor ao afeto entregue, uma consolação cruel. No fim, no calabouço dos grandes enganos, aprendemos a viver uns sem os outros, como crianças aprendem a parar de chorar: por desistência e alguma falta de ar. Um amigo não resolve isso. Acho que é o que me desabilita.

Hum?

marielfernandes.monza

O amor não é para amadores

Um dia, tirei foto de um casal distraído. Pamorenso que o amar é assim, acontece aos que se dão por vencidos. E, não precisando mais, abrem mão de ter razão e passam a conversar entre si. Ninguém é feliz sozinho, como diria o poeta? Mesmo, mesmo?  Os amores são para amantes, não para iniciantes, esses que declamam coisas como “não posso viver sem você” e acham que isso é, sei lá, bonitinho. Se alguém me diz isso, antes de terminar a frase, estou a 200 quilômetros de distância e não vou pensar em parar antes de chegar a seguros 400 quilômetros. A não ser que seu amor seja seus pulmões, sim, você pode ser feliz sem ele ou ela. Diria que deve: ninguém encontra um amor que mereça esse nome se antes não for capaz de ser completo sozinho, que essa coisa da metade da laranja é conversa pra Fábio Junior dormir. O amor é vão, escreveu o Gil, no sentido de espaço comum, não de único espaço. Amar é um ato de independência, vem aos poucos ou em forma de avalanche, não importa. Mas depois de toda a desarrumação que causa, o sentimento se acalma e serena pela consistência amena da sua matéria prima, a admiração pelo outro. E se o que admiro no outro é a projeção do que vejo de mim, qual a graça dessa criatura reflexo, eco do que penso, dependente do que sou?  Amar faz a diferença, mostrando que há distancia entre os amantes, amores precisam tanto do hiato quanto do contato, prantos às vezes, noutras saudade, lembranças, fins de tarde, mesmo anos à fio sem a menor notícia, ninguém morre de amor, só é possível viver a partir dele, não por ele. Quanto desencontros, abandonos, desentendimentos,  solidão e caminhadas noturnas em nome do amor que se deseja ou se espera e ele nem existe, é uma invenção do SBT, passou na TV, projetou-se no cinema, transformou-se em poemas, consagrou escritores, convenceu céticos e terá seu fim decretado pelo fato puro e simples de não poder sustentar o peso que causa. O melhor pronunciamento desse amor é quando se cala, silenciado pelo pouco que tem a dizer, extenuado pelo tanto que cobra. Quem não se ama a ponto de não poder viver sem o amor de alguém, que amor pretende ou oferece? É um amor sem brilho, nem trilho, nem trem. Quando um amor real surge, ressalta o que há em você de especial, mas tem que haver,  tem que ser você, que enfrentou leões, multidões, que manca, que se levanta e que já esteve encurralado no lado errado do rinque. Tem que existir você, porque o amor não mostra o que não enxerga, nem resgata quem não o mereça. Ah sim, o amor melhora a pele, deixa os cabelos brilhantes, o sorriso fica mais fácil e nada é assim tão caro ou longe. Mas o mais fundamental que ele traz é sua capacidade de tornar-se eterno, posto que clama pelo infinito e pelo pleno do qual é feito. Não amo o amor, nem dedico a ele altares ou poesia ruim. Em compensação, lhe ofereço o que existe em mim de presença. Não para prende-lo, mas para que o mereça.

Qual a sua marca preferida?

Mariel, marcaGosto de marcas, o capricho das linhas. Não sinto que um velho olhar tenha perdido a pressa. Penso que ele entendeu a vida em seus bilhões de instantes. Não se retire a expressão, a surpresa, os sinais de que sentimos amor, dores nas juntas e algumas belezas. Houve um diálogo ali, um entendimento e -acontece- contato com o vento, quem esquece? Toda história sem marca é vazia, lisa, amorfa. Fico com a impressão, cada vez que vejo um rosto aleijado pelo Botox, que inexpressivo  é uma forma expressiva de agressão, quer voltar no tempo, mas o tempo trota, jamais será vencido. E pra que seria, me pergunto? Pra quem aparentar menos tempo exercido, ainda mais se no modo altivo? Por que disfarçar o vivido, saltado, cantado, perdido, querido, amado, ficado, deixado, partido? Vejo as marcas, o andar e a paciência frágil (não fracote) dos homens e mulheres que se deixaram marcar pelos dias. Pra mim, quem tenta desmarcar o encontro do tempo consigo mesmo vive à esmo, perdido entre marcas que dizem que você vai ficar deslumbrante, atraente, linda ou lindo. Não se engane. Por dinheiro há quem diga que o tempo não passa, quando passar é a forma da beleza nos dar asas.