Tenho uma árvore de estimação. Nossa amizade foi construída entre acolhimentos e confissões silenciosas. Suas raízes aparentes formam uma espécie de poltrona natural, com vista para um lago, num grande espaço, singelamente batizado “Centro de Criatividade”. A visitava principalmente quando me afastava perigosamente de mim mesmo. Não a ponto de não me reconhecer, mas em um instante desesperante de uma luta em que estive por um triz pra perder. Nessa altura irresistível do inverno, a alma gela e tudo é parto com dor, alguma coisa se parte dentro. É o estalo seco de uma vida prestes a se transformar em partida, foi nesse momento que a encontrei. Dormi, chorei, li, olhei, me esperei, ri, fugi, aconteceu de tudo no meu tempo repleto de conversas encerradas. Minha árvore manteve alianças à salvo e quase sempre comemorei a chegada da primavera ao seu lado, às vezes triste, noutras feliz, na maioria simplesmente calado. Um dia, me despedi dela. Precisava me despedir de mim e seguir me procurando. Ficamos alguns anos longe um do outro. Dia desses, a revi. Cheguei devagar, ela é uma senhora, pode se assustar. Sentei como se nunca tivesse me levantado. Éramos outros, eu e ela. Éramos os mesmos, ela e eu. Me sorriu brisa, me abraçou vento, acalmou minhas tempestades. Penso no que Deus quis nos dizer com as árvores e sinceramente, não sei. O que posso contar é que minha tem raízes profundas, como devem ser a amizade e o amor. Faz sombra para as horas mais cansadas. É uma referência fincada no tempo, um elemento dos vendavais. Não vive no sempre, nem lamenta o jamais.
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Depois dos temporais
Daqui de onde te escrevo vejo muitas árvores. Pela quantidade de pius, não estamos em falta de ninhos, nem de pais-passarinhos super atarefados. A cena tem a mágica de uma alquimia intensa. Primeiro, transformou-se de brisa suave em tempestade furiosa num zapt. Depois fez exatamente o contrário, silenciando trovões, acalmando ventos e as almas da mata, lugar que só entro depois de pedir licença e me sentir autorizado. Sim, sou desses que acreditam que os elementais têm a chave dos portais, que eles habitam em todas as formas de inspiração e que estão em tudo que pulsa, sente ou pensa. De qualquer forma, como acredito, nada que existe ou inexiste depende de mim ou das minhas crenças. Não sei porque, mas acho que a chuva é Deus fazendo geometria e balanceamento na natureza. Há o atendimento à sede na terra cheia de saudade das águas, o verão aplacado em suas paixões, o inverno reconhecido em seus silêncios solitários e a primavera em seus renascimentos espetaculares. Somos um instante de tempo em movimento. Nesse exato momento nos lemos, nos descrevemos, nos reconhecemos, nos perdemos, vagamos, vamos, chegamos e partimos. É assim ou por isso que nos perdemos, nos amamos, nos encontramos e somos a expressão daquilo que demonstramos ou que deixamos inexpressado, mesmo que seja uma verdade. Entendi que também existo pela união das nossas humanidade, sempre tão repleta de sentimentos densos, deixados ou incompreendidos em sua extensão, origem e destino.
Aqui de onde te escrevo, já não te vejo e mesmo assim quero te contar uma descoberta. Ela começa com essa pergunta: e se os dias fossem de nossa autoria, qual parte seria? Eu, final de tarde. Vivendo entre inícios, afim de infinitos, sem nada da noite e com tudo de todos os dias. Eu final de tarde, no início do princípio, ali na fronteira enluarada da vida. É daqui que te descrevo os mistérios, os silêncios os murais. Um beija flor me trouxe um beijo. Não sei se foi você. O que sei é que não o ganharia se fechasse a alma para o mundo, seus dias amenos, os verões intensos e seus muitos temporais.
PS
Bom ano, queridos.
Vamos nos vendo,
vamos nos lento:
2017 será um tempo
ímpar.