Síntese

Tenho uma árvore de estimação. Nossa amizade foi construída entre acolhimentos e confissões silenciosas. Suas raízes aparentes formam uma espécie de poltrona natural, com vista para um lago, num grande espaço, singelamente batizado “Centro de Criatividade”. A visitava principalmente quando me afastava perigosamente de mim mesmo. Não a ponto de não me reconhecer, mas em um instante desesperante de uma luta em que estive por um triz pra perder. Nessa altura irresistível do inverno, a alma gela e tudo é parto com dor, alguma coisa se parte dentro. É o estalo seco de uma vida prestes a se transformar em partida, foi nesse momento que a encontrei. Dormi, chorei, li, olhei, me esperei, ri, fugi, aconteceu de tudo no meu tempo repleto de conversas encerradas. Minha árvore manteve alianimg_20170206_105525_processedças à salvo e quase sempre comemorei a chegada da primavera ao seu lado, às vezes triste, noutras feliz, na maioria simplesmente calado. Um dia, me despedi dela. Precisava me despedir de mim e seguir me procurando. Ficamos alguns anos longe um do outro. Dia desses, a revi. Cheguei devagar, ela é uma senhora, pode se assustar. Sentei como se nunca tivesse me levantado. Éramos outros, eu e ela. Éramos os mesmos, ela e eu. Me sorriu brisa, me abraçou vento, acalmou minhas tempestades. Penso no que Deus quis nos dizer com as árvores e sinceramente, não sei. O que posso contar é que minha tem raízes profundas, como devem ser a amizade e o amor. Faz sombra para as horas mais cansadas. É uma referência fincada no tempo, um elemento dos vendavais. Não vive no sempre, nem lamenta o jamais.

Carta aberta aos meninos da seleção

Meninos, saibam que eles chegam, devidamente acompanhados de suas certezas absolutas, Estão por todos os lados, os que sempre sabem exatamente o que fazer, como agir, o que falar. Eles tem um mantra: “eu avisei”. Não tremeriam diante de um adversário mais poderoso, mais preparado e melhor. Nem gaguejam, não tropeçam no cadarço, não têm tatu no nariz. Ele têm direito à vaia porque jamais esquecem de nada, se antecipam e são precavidos. Ninguém sabe como conseguem ter as rotas todas impressas, as conversas repassadas. Nem que tempo usam para treinar tanta sabedoria, os eles todos, esses que não fariam nada daquilo, que diriam tudo na cara e nunca, jamais teriam algum traço de dúvida.

Como será que se aprende sem o furo, sem a parte escura dos dias, sem as alegrias de um remendo bem feito? Qual virtude existe na canela sem cicatriz? Não há glória na derrota, mas pode ser glorioso o que se faz com ela. Aos 54 anos do meu segundo tempo, digo sem medo de errar: se fosse vocês, eu teria muito medo de errar. Penso que choraria antes, durante e depois do hino. Que não conseguiria entrar em campo, marcar alguém, correr. Ficaria paralisado caso 60 mil pessoas resolvessem me apoiar. Quando aos que vaiaram, acho que são um bando de traíras reunidos num amor condicionado ao sucesso. Que exigência é essa, onde só presta quem ganha sempre? Quem consegue viver sem errar o pênalti, a frase, sem perder a chave ou sofrer por besteira? Quem nunca tomou uma rasteira, não percebeu a tramoia, nem perdeu a namorada? Quem nunca teve um apagão, não soube o que dizer, esqueceu a senha na boca do caixa, soltou um pum sem querer, ou usou um sapato novo com a etiqueta aparecendo? Eu não preciso da seleção para amar ou odiar o Brasil. O meu país não fica maior se um time seu foge à luta. Torci pelos meninos e dessa vez não deu, vão brincar que essa dor já passa. Mas os donos do olimpo não perdoam o que existe de humano nas quedas, mesmo as volúveis como as esportivas. Na verdade, eles têm medo de saltar, naufragar e morrer na inanição que os mantém vivos. A vista, aqui do meu ponto, pondera que o pavor certo talvez devesse ser outro, o de existir num tédio bem decorado e com vista para o mar. Então, inexpressivos, viveríamos à salvo de naufrágios não porque enfrentamos as correntezas, mas porque evitamos (prudentemente) a aventura de navegar. Então, meninos, esqueçam os falsos comandantes, os reis do marketing, os caras dos discursos emocionantes. Eles queriam isso, justamente isso, pra poder olhar para a câmera e dizer: “bem que eu avisei”

O melhor time de todos os tempos

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Os deuses do futebol têm pés descalços e precisam flutuar entre os buracos do campinho. Há nos times que protegem algo de mítico e atraente, são crianças e suas reluzentes artimanhas que driblam, fintam, cruzam e comemoram vitoriosas campanhas. Os deuses do futebol preferem os campos de várzea, onde a amizade rola, a solidão perde e as lembranças desfilam em carro aberto, carregadas da alegria, troféu eterno de quem um dia já entrou em campo disposto a deixar ali sua alma.