Quando, onde, porque

A vida é impar. Viver é outra coisa.

Não é quando. Nem de onde. Pra que não representa. Porque não responde. É que simplesmente não importa. Não é o que fazermos. Não é tão divertido estar na praia. É irrelevante um sempre teremos Paris. A vida é de fatos, tirando a parte dos sonhos. Mas mesmo esses, se não realizados, vão para a coluna de débitos, do que faltou, do não aferido, do nem tentado, do exilado, do nem havido.

Viver é ato. Mesmo que seja muito o que poderia ter sido, fazer é um feito. Mesmo repreensível, imperfeito, cheio de desníveis, impedimentos e sustos. Mas não sozinho, no ermo das coisas. Vale, claro, saber do aniversário ou que horas são na Dinamarca. Afinal, é uma referência, uma forma de não expiar, espiando. Mas não há nada como o estando, a presença, o presente, a pedra jogada no rio, o riso atirado no ar, o Inter entrando em campo. Veja, não é o time, mas as lembranças que traz. Justo por que, juntos, nos tornamos histórias, viradas, vitórias inesquecíveis e vexames que machucaram. Nada é completamente vivido se trouxer, vívido em si, o excluído. O fluxo acontece no convívio, na permuta permanente das rotinas domesticadas. São ruas descobertas, lembranças trocadas, passeios, boletos, bicicletadas. Tem pipoca no sofá. A fé em algo. Buscar alguém lá longe. Café. Coca no bico e o indecifrável mistério do asterisco. É risco de não vir e chover. E assim sendo, continuar chovendo dentro. É platéia para artistas. É leitores para quem escreve. É atenção para família. É seguidor para influencers. É mãe para filhos. É um para o outro.

Não é quando, nem onde, nem porque. Nem longe, nem pra que, nem nada em zoom, nem tudo além. A vida que vale é com quem. ***

Alacazum

mariel fernandes.mágica.abracadabra.vida.esperança

Sobre ser e estar

mariel fernandes.passagem.passageiros.estamos

sobre fins

sobre fins

Homens, ao mar

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Todo marujo que se preza  sabe que não se reza por terra à vista. Corsários ou capitães da esquadra inglesa têm um inimigo comum: a vontade de aportar, lançar cordas, ancorar. Pra eles, voltar pra casa é alto mar, portos são um desvio. Um lobo do mar não se forma em águas rasas, precisa conhecer a força dos repuxos, os humores das correntes submarinas, a mistura perigosa entre sol e sal, a imensidão oceânica e a impressionante falta de esquinas. Um bom marinheiro não espera que suas viagens sejam feitas de sonhos, vento sempre à favor e primaveras azuladas. São inevitáveis as cicatrizes, as tempestades, a inspiração de sagres e as lutas inesquecíveis com os deuses de todos os mares.  Só então, depois de  rufados os tambores, Tufão separa entre os lutadores os melhores. É assim que os deixa singrar suas dores e contar histórias sobre tesouros escondidos em ilhas inacessíveis aos conformados de água doce. Nenhuma sorte aos resignados, aos sepultados em si mesmos, aos que vivem à esmo do que sentem. Abandonados, náufragos, solitários, renegados, perdedores, esquecidos, perdidos, ressentidos, sem pátria, exilados, enganados, estejam certos quanto aos mapas, rotas, guias e todo tipo de instrumento disponível à navegação. Serão imprecisos, mas fundamentais. Farão surgir histórias de conquistas e aventuras, ventos e vendavais. Soltar amarras, içar velas, enfrentar o medo e deixar o cais. Lá vamos nós, tripulação improvável de um tempo formidável, capaz de enfrentar os elementos, os transformando em um tremendo instante, transatlânticos sonhos, plenos de descobertas, muito além das ilhas desertas, um lugar nosso, nele não seremos intrusos. Enquanto ele não chega, homens, aos mar. Homens, ao mar, marujos.